Baseado em videogames da Capcom que eu nunca joguei, mas que sei que partem de personagens reais importantes do Japão feudal para criar uma mitologia que envolve criaturas míticas, a adaptação em forma de anime distribuída mundialmente pelo Netflix e que conta com ninguém menos do que o cineasta nipônico Takashi Miike na direção geral, é uma interessante, ainda que consideravelmente falha experiência audiovisual. Com oito episódios curtos, a história é básica, não mais do que uma missão em linha reta, mas repleta de obstáculos, que segue o espírito de games em geral, com as ameaças ficando gradativamente mais difíceis e, claro, exageradas.
O principal personagem histórico da série é o mais famoso espadachim japonês, Miyamoto Musashi (voz do prolífico ator de voz Akio Otsuka), inúmeras vezes utilizado em obras literárias, audiovisuais e em quadrinhos, que, logo no começo do primeiro episódio, precisa enfrentar diversos inimigos na forma de um teste para que ele finalmente obtenha o que procura, uma caixa de madeira que, descobrimos não muito tempo depois, contém a Manopla Oni, objeto que dá superpoderes a quem o utiliza. Acompanhando do monge guerreiro Kaizen (Kazuyuki Okitsu) cujo papel é ter certeza de que a manopla será devolvida em não mais do que 33 dias, Musashi reúne-se a um grupo de samurais – cada um com sua especialidade para além das espadas – para enfrentar a ameaça difusa de alguém denominado Iemon (Ryohei Kimura) que parece comandar os demoníacos Genma, aparentemente inimigos ancestrais do Oni. Ao grupo logo soma-se a menina Sayo (Aya Yamane), aparentemente a última sobrevivente de um vilarejo destruído por “zumbis” que acaba sendo a guia da equipe.
Dois aspectos merecem destaques positivos na primeira temporada da série. O primeiro deles é que a produção modelou uma versão de Musashi mais madura do que comumente vemos em adaptações a partir do mais famoso ator japonês a encarnar samurais, o incomparável Toshirô Mifune que, vale lembrar, encarnou Musashi na Trilogia Samurai de Hiroshi Inagaki. Assistir Onimusha é como, de repente, ser arremessado às magníficas e citadas obras de Inagaki, ou as de Akira Kurosawa, especialmente Yojimbo, Sanjuro e Os Sete Samurais, com direito a todos os trejeitos que se tornaram marcas registradas do ator. Claro que o lado sobrenatural da série impede a imersão total, mas não se pode ter tudo e a necessidade de se pelo menos em tese seguir o espíritos dos games faz total sentido em uma adaptação.
O segundo aspecto é que Onimusha muito apropriadamente faz das tripas coração para recriar duelos reais clássicos que serviram para sedimentar a lenda de Miyamoto Musashi no Japão e, francamente, no imaginário mundial. Esses duelos são os três contra cada um dos três irmãos Yoshioka (como visto em Morte no Templo Ichijoji) que ganha uma versão em que o Musashi mais velho luta simultaneamente contra as versões demoníacas do famoso clã que sua contrapartida histórica dizimou quando ainda tinha algo como 20 anos (o mais novo dos três oponentes tinha apenas 12 anos!). O último duelo, como não poderia deixar de ser, é contra o grande Sasaki Kojiro (Toshihiko Seki) que o próprio Musashi, anos depois, reconheceu como tendo sido seu mais valoroso oponente. Conhecido como o Duelo na Ilha Ganryujima (conforme abordado em detalhes no filme homônimo de 1956), o que vemos na série, para além do lado sobrenatural, é um cuidado enorme para repetir boa parte dos acontecimentos reais, inclusive levando os dois a uma pequena ilha e com Musashi usando um remo como arma.
Em outras palavras, há o que se apreciar em Onimusha para além do visual bonito, mas não exatamente especial, da arte e da técnica de animação (que é um pouco desanimada, mas tudo bem). O problema é que tudo o que cerca os dois aspectos que destaquei é consideravelmente genérico e chega até a depor contra o uso de Musashi e Mifune. Em termos de missão, ela é simples demais, na linha do que mencionei mais acima, ou seja, cada episódio oferece uma ou mais ameaças que são mais perigosas do que as anteriores, ainda que sempre facilmente extermináveis por um Musashi munido da manopla. Os samurais coadjuvantes ou são bucha de canhão ou são traidores, mas sem que uma coisa ou outra funcione de verdade para criar tensão ou peso dramático, com o grande vilão não funcionando como ameaça crível.
Além disso, como em muitos animes, a verborragia é infindável. A quantidade de diálogos que param completamente a trama para aparentemente desenvolver os personagens seja no presente ou no passado por meio de flashbacks, é cansativa, repetitiva e descartável em grande parte, até porque, curiosamente, o blá, blá, blá é pouco expositivo sobre o que afinal está de fato acontecendo e o que exatamente são os Oni e os Genma e porque cada lado odeia o outro. Até mesmo a luta de Musashi para manter sua humanidade – já que a cada vez que ele usa a manopla, ele fica mais monstruoso – é banal, não mais do que uma tentativa de emprestar mais camadas ao personagem, mas com resoluções rasas que mostram muita preguiça dos roteiros.
No final das contas, Onimusha encanta por suas homenagens a Musashi e a Mifune (se o espectador souber quem eles foram, logicamente), que, porém, se perdem em um lodaçal de trivialidades escritas para permitir combates repletos de sangue e membros cortados que pouco acrescentam de verdade à história. Continua sendo um divertimento passável, mas, infelizmente, a série não tenta ser mais do que isso, sendo que tinha todo o potencial para ser.
Onimusha – 1ª Temporada (鬼武者 – Japão, 02 de novembro de 2023)
Desenvolvimento: Takashi Miike (baseado em série de videogames da Capcom)
Direção: Shinya Sugai
Roteiro: Hideyuki Kurata
Elenco: Akio Otsuka, Toshihiko Seki, Hōchū Ōtsuka, Daiki Yamashita, Subaru Kimura, Katsuyuki Konishi, Kazuyuki Okitsu, Makoto Furukawa, Aya Yamane, Ryohei Kimura
Duração: 220 (oito episódios)