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Crítica | One Piece: A Série – 1ª Temporada

Um mundo sem igual.

por Kevin Rick
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Na minha crítica do live-action de Cowboy Bebop, fiz toda uma ginástica para falar sobre adaptação e transliteração, uma vez que o western espacial tem uma abordagem e estilo diferente da animação original, o que afastou muitos fãs da franquia. Agora, na adaptação do universo pirata de One Piece, não preciso fazer o mesmo rodeio, já que a Netflix “aprendeu sua lição” com o público de animes/mangás que tanto prezam por fidelidade. Desenvolvida por Matt Owens e Steven Maeda, a produção é extremamente fiel ao material original de Eiichiro Oda, que acompanha Luffy (Iñaki Godoy), um pirata novato que também é um homem-borracha, em busca de consolidar seu sonho: encontrar o famoso tesouro que dá nome à série para se tornar o Rei dos Piratas.

Para bem ou para mal, o serviço de streaming veio preparado para agradar os fãs de One Piece. Com a benção de Oda, um orçamento de blockbuster e um roteiro encaixadinho com os eventos do mangá na Saga East Blue, assistimos Luffy pulando de ilha em ilha para encontrar os membros de seu bando, com o espadachim Zoro (Mackenyu), a navegadora Nami (Emily Rudd), o atirador Usopp (Jacob Romero) e o cozinheiro Sanji (Taz Skylar) compondo a tripulação. Durante essa trajetória, a trupe encontra diversos problemas absurdos e vilões coloridos.

Confesso que, sempre que imaginei um possível live-action da série, pensei em algo totalmente diferente do mangá e do anime. Talvez algo na linha de um swashbuckler mais sujo como Piratas do Caribe, sem abandonar a mitologia e as particularidades deste universo, claro, mas uma fantasia um tantinho realista que se encaixaria melhor em live-action. Se a animação já é uma cópia do mangá, não via muito sentido em uma versão em carne e osso ser a mesma coisa. Bem, a Netflix tinha planos diferentes, numa adaptação que abraça por completo o visual e o tom da série original.

Temos tudo aqui: o fantástico, o cartunesco, o brega e até o bobo. De telefones com caramujos até cabelos coloridos, a produção é o desenho animado ganhando vida. Às vezes o fato de tudo ser “muito limpo” ou algumas maquiagens/roupas lembrarem cosplays pode ser estranho aos olhos e parecer artificial, mas é fácil se acostumar com a ambientação cartunesca ao longo dos episódios e a produção faz um trabalho de sucesso com a difícil transposição do caos fantasioso de Oda. Existe um equilíbrio de qualidade entre CGI e efeitos práticos que trazem muita vivacidade e energia para as bizarrices e extravagâncias deste universo, até com um estilo retrô em determinados momentos.

Nem tudo é nota dez, porém. Algumas ideias e caracterizações de Oda não funcionam na vida real, como um marinheiro que parece um rato (Nezumi) ou piratas que se vestem de gatos, trazendo um senso ruim de ridículo, com a produção pecando por ser fiel demais, já que são detalhes facilmente adaptáveis. Além disso, é notável como a escala e o escopo da série são diminuídas com certos atalhos e saídas para evitar extrapolar o orçamento, com histórias em cenários fechados e contidos (o circo de Buggy, a casa de Kaya, etc.) que não exploram tanto o espaço de vilas, ilhas ou sequências náuticas, e também uma diminuição dos exageros nas cenas de lutas do Luffy, muito mais bem-composto ao longo da série.

Ainda assim, a adaptação é visualmente rica, mesmo quando é estranha, e certamente não pede desculpas e não tem medo de emular a confecção colorida da animação. Curiosamente, a série até tem um nível de violência interessante que adiciona uma camada de autenticidade e perigo para um universo cheio de piratas. A direção também faz um bom trabalho de forma geral com o senso de aventura em suas diversas set-pieces, constante movimentação durante as peripécias do grupo e as coreografias marciais dos combates corpo-a-corpo – as sequências de ação do Zoro são as melhores da série!

Em termos narrativos, penso que a apresentação nos três primeiros episódios é melhor do que os arcos posteriores na Vila Syrup, Baratie e Arlong Park. Não quero ficar fazendo comparações, mas o início da história no mangá é meio atrapalhado, enquanto aqui os roteiristas criam uma situação de coincidências divertidas até a junção de Luffy, Zoro e Nami na base da marinha, até trazendo uma referência que os fãs devem adorar com a cena do nº 7 da Baroque Works. Todo aquele bloco inicial é bem construído, flui de maneira cômica e faz uma introdução orgânica da série. Depois disso, acho que os episódios ficam truncados e corridos, passando um facão pelos arcos de Usopp e Sanji para chegarmos rapidamente no Arlong Park a tempo de acabar a temporada.

Obviamente que, considerando a extensão do material a ser adaptado, é justificável o quanto os primeiros 100 capítulos do mangá são comprimidos em oito episódios, mas falta um pouco de tempo para o núcleo contra Kuro e o bloco no Baratie serem melhores desenvolvidos. Acredito que parte da culpa seja da escolha em dividir a trama de Luffy e companhia com a subtrama de Koby, que não agrega tanto à história do que mais tempo para a narrativa principal agregaria, até tendo temas sobre corrupção governamental e preconceito mais aprofundados do que foram. Mas, novamente, existe qualidade na maneira como os roteiristas fazem mudanças pontuais para amarrar as aventuras, que acabam sendo mais soltas e episódicas no mangá, até dando um senso de conexão melhor com a participação de Garp.

A narrativa da primeira temporada que serve efetivamente para juntar o bando com camadas de coming-of-age captura os melhores elementos do material de origem, como o companheirismo, a importância de sonhos, o significado do que é ser pirata para Luffy e a divertidíssima linguagem de aventura caótica e sempre em expansão de um universo rico de mitologia e peculiaridades. O elenco é forte candidato a maior destaque da série, segurando as pontas quando o roteiro não funciona tão bem ou quando alguns cacoetes do mangá vem à tona em forma de diálogos expositivos, com destaque para a interpretação espontânea e genuína de Iñaki Godoy, o estoicismo carismático de Mackenyu e a complexidade e charme de Emily Rudd. Jacob Romero e Taz Skylar têm menos tempo, mas deixam boas impressões fiéis aos personagens originais, enquanto o elenco coadjuvante faz um ótimo trabalho com as caricaturas e esquisitices das figuras da série.

O live-action de One Piece pode não trazer uma visão própria para o universo de Oda, mas encontra identidade e qualidade ao transpor de maneira cartunesca e fiel a bizarra aventura de Luffy e companhia. Confesso que, como fã de longa data da franquia, preferiria uma nova abordagem sem perder a essência do mangá, mas, bem, estou contente com o resultado seguro que tivemos. A equipe criativa faz mudanças pontuais que pelo menos atiçam a curiosidade da velha audiência, apesar do rumo ser exatamente igual, e apresenta com fidelidade a história que tantas pessoas adoram para uma nova leva de telespectadores, se souberem abraçar a divertida breguice e o tom infantojuvenil de uma trama puramente sobre liberdade e aventura. Agora que o ceticismo do público em relação ao lado visual caiu por terra, veremos o que o épico pirata pode oferecer no futuro de sua adaptação.

One Piece: A Série – 1ª Temporada (EUA, 31 de agosto de 2023)
Criação: Matt Owens, Steven Maeda (baseado no mangá homônimo de Eiichiro Oda)
Direção: Michael Katleman, Alex Garcia Lopez
Roteiro: Matt Owens, Steven Maeda, Ian Stokes, Damani Johnson, Tiffany Greshler, Tom Hyndman, Laura Jacqmin, Diego Gutierrez, Allison Weintraub, Lindsay Gelfand
Roteiro: Iñaki Godoy, Emily Rudd, Mackenyu, Jacob Romero Gibson, Taz Skylar, Vincent Regan, Jeff Ward, Morgan Davies
Duração: 60 min. cada (08 episódios)

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