Olhando sem pensar muito – é importante não pensar muito nesse exercício! – para o conceito de sétuplos secretos em um mundo em que a explosão populacional tornou ilegal ter mais de um filho, com os demais sendo enviados para a criogenia até que a Humanidade dê um jeito na Terra, é perfeitamente possível concluir que é algo interessante e que talvez possa resultar em um filme. Quando começamos a fechar a objetiva para estudar os detalhes e nos deparamos com coisas do tipo “cada uma das gêmeas só pode sair de casa um dia por semana – o dia de seu respectivo nome – e que, para isso, todas elas têm que encarnar uma mesma oitava persona”, a coisa começa a ficar mais complicada, já colocando a suspensão da descrença em modo “Whey Protein”. Aos mergulharmos mais ainda nos intrincados detalhes dessa sociedade distópica, tentando encaixar o conceito nem que seja na base do “quadrado no triângulo”, é bem possível que concluamos que é melhor deixar a história quieta ou que talvez seja o caso de chamar um roteirista e um diretor que realmente conheçam profundamente de seus respectivos ofícios para a coisa ter alguma chance de dar certo.
Mas a produção de Onde Está Segunda? nem parou na fase de planejamento e nem mergulhou no projeto com gente de gabarito por trás. O resultado é uma distopia cinematográfica que parece surf & turf de astronauta, misturando tudo o que pode em um prato só, colocando no liquidificador e expelindo uma pasta disforme que não diz nada com nada, faz sentido só se retirarmos o cérebro e o colocarmos em uma jarra com formol e que nos toma irremediavelmente exatos 123 minutos de nossa vida, minutos esses que seriam mais aproveitáveis assistindo algum exemplar da franquia Transformers, que pelo menos é honesta em sua imbecilidade.
Talvez eu esteja sendo mais ácido do que o habitual, mas é que há limite para minha paciência e, definitivamente, ele não é muito mais alto do que Noomi Rapace, atriz que vem fazendo esforços hercúleos para enterrar sua outrora promissora carreira. No filme, ela vive as sétuplas, de Segunda a Domingo, cada uma de seu jeito clichê de ser. Mas, claro, como o título deixa evidente, Segunda desaparece e o mundo delas começa a desabar, com o Escritório de Alocação Infantil, comandado por Nicollete Cayman (Glenn Close vivendo a versão futurista de seu papel clássico em Atração Fatal), mandando todos os seus minions para acabar com as gêmeas remanescentes. O mistério do título, então, torna-se a força motriz do filme que não economiza na violência hiper-estilizada bem do jeitinho do diretor Tommy Wirkola, responsável pelos divertidamente ruins Zumbis na Neve (os dois) e João e Maria: Caçadores de Bruxas. Aliás, falando em Wirkola, apesar de ele não ser o nome indicado para lidar com um conceito tão interessante (mas de longe, sempre de longe), é ele que torna a produção tolerável com seu estilo “exploda o cérebro, pergunte depois” que faz com que a ação, depois que quase metade do tempo regulamentar passa só com intermináveis explicações de fazer sangrar os olhos e ouvidos (com direito a Willem Dafoe em ponta de luxo que ele deveria apagar de seu currículo), realmente caminhe de maneira vertiginosamente absurda até o grande e óbvio final, com uma motivação para o grande mistério que até o estagiário que serviu o cafezinho da produção faria melhor.
Ou seja, contra tudo e contra todos, Wirkola salva o filme da desgraça total. He, he. Deixe-me rir para não chorar. Afinal, em que mundo nós estamos em que isso é sinal de algo minimamente bom, minimante razoável para investir 123 minutos? É como sair de casa feliz da vida para ir ao dentista fazer canal ou para ficar duas horas na fila do banco. Masoquismo explica.
Mas falando sério um pouco, há valores de produção interessantes em Onde Está Segunda?, com um bela direção de arte para esse tenebroso – por estar próximo de nós – mundo distópico em que as ruas são apinhadas de gente e que todos os movimentos são controlados. Há um verniz militarístico discretamente inserido nos uniformes das autoridades e um tom finalista na paleta de cores predominantemente acinzentada nas tomadas exteriores que logo dão o tom da fita, evitando que o espectador espere confetes e serpentina. Em outras palavras, vê-se muito claramente o cuidado em criar-se uma ambientação crível – ainda que fortemente dependente de um CGI forçado, artificial – que passa, sem qualquer tentativa de esconder, uma crítica social urgente, periclitante, enervante. Da mesma maneira, é de se aplaudir a coreografia das pancadarias, sempre variadas e razoavelmente originais, estabelecendo verdadeiros oásis dentro dessa mixórdia que os inexpressivos Max Botkin e Kerry Williamson escreveram.
Se o espectador comprar – e custa caro, tenho que avisar! – a premissa escalafobética, glosar o roteiro abissal e souber divertir-se com as sandices de Wirkola, o salvador da pátria, então Onde Está Segunda? pode não ser o desperdício de poder de processamento mental que é. E mesmo assim ficará aquela vontade subconsciente de fazer Terça, Quarta, Quinta, Sexta, Sábado e Domingo desaparecerem junto com a Segunda…
Onde Está Segunda? (What Happened to Monday?, Reino Unido/França/Bélgica – 2017)
Direção: Tommy Wirkola
Roteiro: Max Botkin, Kerry Williamson
Elenco: Noomi Rapace, Glenn Close, Willem Dafoe, Marwan Kenzari, Christian Rubeck, Pål Sverre Hagen, Tomiwa Edun, Cassie Clare, Cameron Jack, Clara Read, Kirsty Averton
Duração: 123 min.