Número de temporadas: 1
Número de episódios: 10
Período de exibição: 04 de maio de 2021 (Globoplay) | 31 de janeiro de 2023 até 04 de abril de 2023 (Rede Globo)
Há continuação ou reboot?: Não.
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Apesar da hegemonia das novelas, nos últimos anos a Rede Globo – principalmente em virtude do Globoplay, o seu próprio serviço de streaming – tem investido cada vez mais em séries originais. Nesse viés, temas sociais estão cada vez mais presentes, como a sucateada saúde pública, exemplarmente vista na série médica Sob Pressão, e a ausência de investimentos na educação de Jovens e Adultos (EJA), em Segunda Chamada. Essa característica é benéfica, porque faz com que o telespectador – que está do outro lado da telinha – possa refletir sobre a temática retratada, o que promove de certa forma a intensificação do senso crítico, afinal de contas “a arte imita a vida” a todo momento. E o conteúdo de Onde Está Meu Coração é a dependência química, tema cheio de tabus na sociedade brasileira contemporânea, principalmente em relação ao preconceito em relação aos dependentes químicos. Diante disso, os autores do novo seriado, George Moura e Sérgio Goldenberg – idealizadores de O Rebu (2014) e de Onde Nascem os Fortes (2018) – quiseram desmistificar e elucidar os desdobramentos do indivíduo doente e das pessoas ao redor dele, como os familiares, os amigos e os amores.
Na pele da excelente atriz brasileira Letícia Colin, conhecemos a protagonista da história, chamada Amanda Meireles: médica, bem-sucedida, de família de classe média alta e casada com o arquiteto Miguel (Daniel de Oliveira). Contudo, em virtude de diversas circunstâncias da vida, ela acaba sendo usuária assídua de drogas ilícitas, como o crack. Além disso, fomos apresentados aos pais da moça, vindos de Santos, cidade litorânea do estado de São Paulo: o pai, o também médico, David Meireles (Fábio Assunção), e a mãe, a executiva Sofia Vergueiro (Mariana Lima). Ambos ficam bestializados e, claro, tristes, com o fato de a filha ser usuária de crack e, por conseguinte, o sentimento de culpa acaba sendo assolado por toda a família. O que será que leva uma pessoa a escolher o caminho das drogas? Refúgio? Proteção? Vulnerabilidade? Escapismo? Diversos são os questionamentos, mas sem uma resposta certa, fazendo com que o sofrimento seja retratado de ambos os lados: da filha e dos pais.
Embora o roteiro inicialmente não tenha aprofundado na história de vida de Amanda, inclusive nas razões pelas quais ela escolheu o crack como escape aos seus problemas, o seriado possui uma carga dramática significativa aos olhos do público. Isso se explica por meio das belas cenas gravadas em locações distintas, como a Cracolândia, região na qual se concentram usuários de drogas, o Memorial da América Latina e o famoso Parque do Ibirapuera, espaços localizados na cidade de São Paulo (SP). Foi uma tentativa de fazer com que estes espaços físicos citados fossem “personagens” sensoriais e frios, juntamente à atuação irretocável dos atores, sendo uma imersão quase verdadeira apesar de o produto ser ficcional. Em meio a isso, a demasiada tristeza invade os diálogos, cobertos até mesmo de pistas dos conflitos que estão por vir: no passado, por exemplo, David também já sofreu em função da dependência química, aliado ao fato de ele ter perdido um filho por conta disso; já Sofia se sente culpada e extremamente preocupada com o estado em que sua filha se encontra, tanto por ter se dedicado demais ao trabalho quanto por não ter prestado atenção aos sentimentos da filha ao longo do tempo até Amanda chegar a um estado lamentável como dependente química. Tem ainda o marido displicente, que escondeu o ocorrido de seus sogros na tentativa de resolver a situação sozinho. Resultado: não deu certo e, com isso, Amanda segue usando a droga em qualquer lugar, seja no trabalho, seja no apartamento de Beto (Rodrigo García), traficante responsável por apresentar as drogas à jovem médica. Para piorar a situação, Miguel, além de ter sido omisso em não cuidar de sua esposa, envolve-se com a sua nova cliente no ramo da arquitetura, Vivian (Camila Márdilla), mulher rica e super ambiciosa, que fará de tudo para conquistar o coração do moço, uma vez que sempre foi acostumada a ter tudo o que deseja.
No que diz respeito aos aspectos técnicos da direção de Luísa Lima – com supervisão artística de José Luiz Villamarim, com roteiro de Laura Rissin e de Matheus Souza – é evidente que a fotografia, os cenários e os figurinos são parte de uma superprodução gravada – com exclusividade – em locações, como as mencionadas anteriormente. Ao captar planos dramáticos, a câmera acabou reverberando os sentimentos de sensibilidade e de emoção de quem assistia ao piloto, principalmente na angustiante e inquietante sequência final, na qual pai, marido e os funcionários da clínica de reabilitação correm atrás de Amanda na tentativa de convencê-la de que o tratamento é a melhor opção para a jovem médica. Todavia, será mesmo que a internação compulsória é o melhor “remédio” para o paciente? Apesar de negar a todo instante a ajuda imprescindível para a sua recuperação, será que o dependente químico está lúcido o suficiente, por intermédio de suas faculdades mentais, para tomar decisões importantes para a sua vida? Foi sufocante ver a Amanda ficar pendurada no viaduto, e óbvio que ela não iria morrer, visto que a jovem é a protagonista de Onde Está Meu Coração.
Por fim, destaco que o seriado é pertinente para quebrar o paradigma, juntamente ao preconceito, de que as drogas ilícitas estão presentes somente no público com menor poder aquisitivo. Muito pelo contrário: sem qualquer glamourização, os entorpecentes estão disponíveis para todas as classes sociais, dentre pobres e ricos, e eles, infelizmente, adoecem a si próprios como ainda os familiares, os quais muitas das vezes não sabem como ajudar. Somado a isso, o enredo tem uma outra visão: a de não mostrar o tráfico, a ação policial e a violência, e sim evidenciar as mazelas humanas causadas pelo uso corriqueiro das drogas e o caminho de uma possível redenção e cura dos dependentes químicos. E para que Amanda possa percorrer essa estrada árdua até a completa desintoxicação, ela terá a ajuda de sua família, com amor e sensibilidade. Inclusive, na série, Fábio Assunção pôde usar a sua própria experiência de luta pessoal contra as drogas para dar veracidade à trama, já que ele usava entorpecentes não legalizados. E por falar nesse quesito, vale ressaltar que Letícia Colin está em uma de suas melhores personagens, seja por causa de sua expressão corporal, seja em virtude da maquiagem. Duas cenas merecem ser lembradas: o grito debaixo do chuveiro, logo no início do episódio, representando muito provavelmente a abstinência ou os efeitos colaterais do uso abundante do crack, e quando ela fumou sozinha entre as divisórias da estrutura física do lado de fora do Hospital Antônio Ribeiro Sá, local onde ela atua como médica residente.
Onde Está Meu Coração é uma das produções de maior sucesso originais do Globoplay, feita pelos Estúdios Globo, e eu tenho certeza de que você, meu(minha) caro(a) leitor(a), não vai se arrepender em acompanhar essa jornada de luta contra as drogas, aliada a uma convidativa trilha sonora. Uma curiosidade interessante é a bela abertura ao mostrar o nome da série, com as letras “o” preenchidas em vermelho, fazendo uma espécie de alusão aos batimentos cardíacos, sendo algo mágico e, de certa maneira, poético. Finalizo com a pergunta que não quer calar: Onde Está Meu Coração?
Onde Está Meu Coração 1×01: Piloto (Brasil,04 de maio de 2021)
Criação: George Moura, Sérgio Goldenberg
Direção: Luisa Lima, Noa Bressane, José Luiz Villamarim
Roteiro: George Moura, Sérgio Goldenberg, Laura Rissin, Matheus Souza
Elenco: Letícia Colin, Daniel de Oliveira, Camila Márdila, Fábio Assunção, Manu Morelli, Bárbara Colen, Mariana Lima, Antônio Benício, Mariah Teixeira, Ana Flávia Cavalcanti, Bella Camero, Michel Melamed, Grace Passô, Keli Freitas, Magali Biff, Rodrigo Fregman, Helena Albergaria, Rodrigo dos Santos, Nelson Baskeville
Duração: 46 minutos