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Crítica | Oliver e Sua Turma

por Giba Hoffmann
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Dando sequência ao processo de reerguimento dos Estúdios Disney no final dos anos 1980, Oliver e Sua Turma é a segunda animação consecutiva cuja produção, ao que tudo indica, não teve que atravessar grandes crises criativas e administrativas no percurso entre as pranchetas de desenhos e os telões dos cinemas. No panorama da produtora à época, esse resultado já poderia ser considerado uma vitória relativa. Sucesso de bilheteria e com recepção menos do que morna pela crítica, com o tempo o filme entrou para o cantinho do esquecimento dentro do cânone do camundongo, largamente ofuscado pelo brilho de seu sucessor, o verdadeiro game-changer que foi A Pequena SereiaMas atribuir toda a culpa a Ariel, Sebastião e cia. seria uma injustiça. Mesmo com seus acertos, a versão canina de Oliver Twist apresentada pelo estúdio possui falhas o suficiente para ficar aquém das grandes produções da casa, inclusive se comparado ao seu antecessor direto, As Peripécias do Ratinho Detetive.

Apostando na realização rica em detalhes de sua Nova York dos anos 1980, são várias as cenas que se usam de uma perspectiva isométrica inferior, nos oferecendo a visão dos animais domésticos sobre a Grande Maçã. Nada de propriamente novo no front dos clássicos animados do estúdio, mas o resultado vem com um bem-vindo nível de acabamento que se fez ausente nos tempos mais conturbados da produtora. Os “establishing shots” que percorrem os diferentes ambientes urbanos também lançam mão de uma visão cheia de estilo, sendo curioso o quanto o realismo mirado pelo filme acaba marcando não só a trama de maneira interna como toda a produção com ares inegavelmente oitentistas.

Nesse sentido, a animação remonta também ao look-and-feel das produções dos estúdios de Don Bluth à época, demonstrando uma tendência a querer “modernizar” a animação em relação às sensibilidades tradicionais do gênero — o que tem como resultado, ironicamente, o efeito de datá-la de forma tão precisa. Interessante pensar o quanto Peter Pan ou Alice no País das Maravilhas são capazes de encantar sem entregar fácil seu caráter sexagenário, enquanto que Oliver carrega seus apenas vinte e nove anos de existência estampados em sua testa!

Musicalmente a produção se destaca, antecipando de certa forma os grandes sucessos na área, essenciais para a Renascença Disney, trazendo uma produção anos-luz à frente, por exemplo, dos fraquíssimos números musicais de O Cão e a Raposa, ou mesmo da simplicidade bem dosada de A Espada era a Lei. Seguindo a tendência da produção, ao invés da pegada relativamente atemporal de musical da Broadway que marcaria as celebradas animações disneyanas dos anos 1990, Oliver abraça uma sonoridade definitivamente anos 80, o que ajuda a emprestar ao filme sua identidade única. Ao invés de contar com a visão unificada de um score composto todo em torno de sua narrativa, a animação traz as participações especiais de nomes conhecidos da música pop trazendo suas próprias contribuições — o que explica o fato de que o Dodger canino seja dublado por Billy Joel.

Acompanhando canções como a divertida “Perfect Isn’t Easy” e a grudenta na cabeça “Why Should I Worry?” (que conta com letras genéricas o suficiente para caber como carro-chefe do filme e, ao mesmo tempo, potencialmente ser um single com as “próprias pernas”, jogada que veríamos mais à frente com “Circle of Life” de Elton John), temos visuais inventivos e um tanto hiperbólicos, novamente esboçando algo do estilo que viria a marcar as produções da década seguinte, em continuidade com o visto em As Peripécias do Ratinho Detetive. No entanto, o antecessor se sai melhor em termos de garantir a fluidez da narrativa entre as passagens regulares da história e os números musicais.

É notória a ausência de uma coesão interna entre os diferentes números musicais, os quais não trazem entre si muitas ressonâncias temáticas — seja em termos sonoridade, seja em termos de enredo. Assemelhando-se mais a uma coletânea de canções do que a um musical propriamente dito, os acertos da produção acabam não sendo mais do que um esboço do que veríamos mais adiante, com séries de composições dedicadas ao filme sob visões criativas mais unificantes.

No entanto, cabe também notar que essa falta de unidade vem herdada diretamente do próprio roteiro da película. Dançando entre temáticas e batidas de personagem diversas, a animação constrói seus primeiro e segundo atos com maestria, apresentando sucintamente personagens marcantes em momentos que dosam bem o humor e o drama. Porém, são vários os ganchos desperdiçados em um terceiro ato muito apressado, que lineariza todas as subtramas em uma sequência de resgate e perseguição, encerrando tudo de forma tão abrupta que faz a coisa toda remeter a alguma animação televisiva, não fosse a evidente qualidade da animação e do valor de produção empregados.

O próprio status da película enquanto adaptação de Oliver Twist acaba sendo uma atribuição bastante genérica. Optando por não apenas desviar de qualquer comentário social, mas por ativamente substituí-lo por uma sequência de eventos e tramas bizarramente costurados, o enredo do filme carece de um drama central e por vezes se perde ao longo dos seus próprios segmentos. A trama principal de Oliver é bem montada ao longo do primeiro ato, sendo que a relação entre o pequeno órfão e seu “mestre” Dodger indicam o sentido em que o projeto visava adaptar o romance de Dickens. Porém, nada disso resulta em muito a partir do encontro entre Oliver e Jenny.

A ida para casa dos Foxworth introduz um leve conflito entre os lares que Oliver conseguiu e, mais especificamente, entre o protagonista e Dodger. A impressão que fica é a de que este elemento do enredo exigia uma passagem de tempo mais extensa que sustentasse o sentimento de pertença de Oliver ao barraco de Fagin. Por mais bonita que seja a cena em que o gatinho passa a primeira noite sob um teto junto de sua trupe canina, ela acaba ao mesmo tempo enfatizando o fato incontornável de que se trata afinal de contas apenas da primeira noite dele ali. Soma-se a isso o fato de que toda a trama da dívida de Fagin com Sykes não é minimamente explicada ou explorada, fazendo do vilão uma figura genérica e pouco envolvente, característica que fica explícita na sequência final, onde o sequestro totalmente injustificado e saído do nada parece manifestar forçosamente a necessidade do enredo de construir um desfecho, ainda que faltem motivações internas nas tramas para tanto.

Criativo e charmoso ao seu próprio modo, Oliver e sua Turma troca a “magia Disney” por ares contemporâneos trazendo resultados mistos, e deixa a desejar em termos do acabamento geral da obra, especialmente em termos de enredo. O elenco carismático de personagens muito bem animados e dublados garante momentos divertidos e fazem valer a visitação do filme para os apreciadores de uma boa animação (e os entusiastas de Don Bluth de plantão). E, é claro, fãs de Billy Joel e espectadores ávidos da VH1 hão de se deliciar com a farofada oitentista. Caso a pessoa cumpra todos esses requisitos, o filme é um prato cheio, mesmo tendo de reconhecer todos os pontos negativos que o título carrega. Eu sei, acredite em mim, eu sei!

Oliver e Sua Turma (Oliver and Company) – EUA, 1988
Direção: George Scribner
Roteiro: Vance Gerry, Mike Gabriel, Joe Ranft, Jim Mitchell, Chris Bailey, Kirk Wise, David Michener, Roger Allers, Gary Trousdale, Kevin Lima, Peter Young, Leon Joosen, Jim Cox, Tim DIsney, James Mangold, baseado no romance de Charles Dickens
Elenco: Joey Lawrence, Billy Joel, Cheech Marin, Richard Mulligan, Roscoe Lee Browne, Sheryl Lee Ralph, Dom DeLuise, Taurean Blacque, Carl Weintraub, Robert Loggia, Natalie Gregory, William Glover, Bette Midler
Duração: 73 min.

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