Para começo de conversa, apesar do cartaz de Olhos de Dragão e apesar da imagem que escolhi para ilustrar a presente crítica, não se trata de um filme do Jean-Claude Van Damme, mas sim um filme com o ator belga. E, mais (ou menos) do que isso, Van Damme, como em seus dois filmes anteriores, sequer tem um papel completo, mas sim uma ponta de luxo como Tiano, lutador calado que treina o protagonista Ryan Hong (o ex-lutador de MMA Cung Le) quando os dois estão na prisão, com essa sequências intercalando toda a narrativa principal, e que só tem uma curta cena solo, em flashback, quando faltam 20 ou 25 minutos para acabar o longa.
Portanto, Van Damme é um chamariz daqueles safados e enganosos, que faz o espectador sentar para assistir o não-ator Cung Le batendo em todo mundo como Hong, que tem como missão de vida limpar a cidade de St. Jude de toda a criminalidade comandada por Mr. V, o chefe de polícia local que é mais corrupto do que político brasileiro e que é vivido por Peter Weller, de RoboCop, mais hilário do que ameaçador e que tem bem mais tempo de tela do que o Muscles from Brussels. Em termos de inspiração, quer parecer que Tim Tori, o roteirista, pegou emprestada a tão reutilizada premissa de Yojimbo, de Akira Kurosawa, com um forasteiro colocando gangues rivais em rota de colisão, mas ele é inábil em criar um texto coeso e lógico, especialmente porque ele decidiu por uma história não-linear, o que exige um pouco mais de finesse do que ele parece ter.
Mas o problema verdadeiro do longa está na direção de John Hyams, em sua segunda parceria com Van Damme, depois do fraco Soldado Universal 3. A ironia é que, no filme citado, o diretor parece contentar-se a ficar preso a um roteiro ruim e, aqui, quando tem algo um pouquinho melhor, resolve aloprar completamente e transformar Olhos de Dragão em um laboratório de experimentações audiovisuais que impede que o filme tenha identidade, lógica, estrutura e harmonia. O que Hyams faz é praticamente um pouco de tudo, desde o uso de filtros variados, inclusive o sépia que parece marcar essa fase do astro belga, passando por câmeras lentas, ângulo holandês, montagem histérica, nomes dos personagens surgindo na tela e mais um sem-número de desnecessárias técnicas misturadas que só servem mesmo para cansar visualmente o espectador que, com não mais do que 15 ou 20 minutos de filme, já começa a ficar com dor de cabeça.
A relação mestre-pupilo de Tiano com Hong, que poderia ser um destaque, é muito mal desenvolvida, desperdiçando Van Damme naquilo que ele sabe fazer melhor e, com isso, o próprio Hong perde força e torna-se um personagem genérico construído ao redor de clichês banais, sem um pingo de desenvolvimento decente. Não que o ator pudesse fazer muito com um personagem marginalmente mais complexo, mas ele, com isso, poderia pelo menos tentar mostrar que tem algum carisma (spoiler: não tem) e não ser uma massa de músculos calada que só sabe bater e chutar e, por vezes, também apanhar. Com isso, Weller acaba sendo o único atrativo em termos de elenco, mas não por boas razões, já que seu personagem é cheio de afetações, inclusive a tentativa fracassada de falar italiano como se ele fosse da máfia, e figurinos espalhafatosos.
Olhos de Dragão tem pouco mais do que uma hora e meia de duração, além de uma premissa que não precisa muito para ser bem aproveitada, mas Tim Tori e principalmente John Hyams estragam a diversão criando uma mixórdia enlouquecida que não consegue cativar os incautos que, como eu, se aproximaram do filme em razão de Van Damme e ganharam Cung Le que não serve nem como consolação. O lutador belga merecia mais do que servir de isca para filme ruim e nós merecíamos mais do que receber esse filme perdido em sua tentativa de ser diferente.
Olhos de Dragão (Dragon Eyes – EUA, 2012)
Direção: John Hyams
Roteiro: Tim Tori
Elenco: Cung Le, Jean-Claude van Damme, Peter Weller, Crystal Mantecón, Danny Mora, Kris van Varenberg, Luis da Silva, Dan Henderson, Rich Clementi, Trevor Prangley
Duração: 91 min.