Seja por intermédio de viagens no tempo, seja por apenas situar histórias no futuro, é inegável a atração de se saber o destino – ou UM destino, pelo menos – de nossos super-heróis favoritos. Esses artifícios são utilizados há décadas e décadas nos quadrinhos e uma das mais recentes e fascinantes incursões nessa linha foi quando Mark Millar e Steve McNiven, em meio à publicação normal de Wolverine, pararam tudo e nos contaram sobre o Velho Logan em um futuro distópico em que os vilões ganharam a guerra contra os super-heróis que, em sua maioria, foram assassinados, com a subsequente divisão dos EUA em feudos vilanescos sob o comando geral de ninguém menos do que o Caveira Vermelha.
Sucesso absoluto, o arco de 2008 e 2009, encerrado com uma edição especial, ficou fortemente fincado no imaginário popular, o que levou a Marvel Comics, espertamente, a voltar ao personagem em outra minissérie própria, desta vez como tie-in da saga Guerras Secretas, de 2015, que, por sua vez, serviu de ponte para o “transporte” do personagem à Terra-616 – ou a amálgama resultante das profundas alterações no multiverso -, que ganhou, então, publicação própria corrente. Além disso, a concepção do Velho Logan serviu de inspiração para o bem-sucedido longa Logan e também para spin-offs nos quadrinhos, mais notadamente a Velha Laura, em arco próprio em sua publicação corrente que colocava X-23 como a nova Wolverine e a Velha Gamora, artifício narrativo utilizado como um dos trampolins para Guerras Infinitas.
Portanto, nada mais natural que o Gavião Arqueiro ganhasse sua versão solo mais velha (até demorou, se pensarmos bem!), já que ele é o parceiro de Logan em boa parte da história original no tal futuro distópico. Mas o Clint Barton que Ethan Sacks escreve é anterior ao arqueiro cego, mas mesmo assim extremamente habilidoso, que pilota o clássico Aranha-Móvel que vimos no arco “de origem” do Velho Logan. Aqui, Barton ainda enxerga, mas sofre de glaucoma em estado avançado, algo que ele descobre logo no começo ao errar uma flecha dedicada a matar um dos Madroxes caipiras que ataca o comboio que ele protege para Jebediah Hammer. Esse evento é o catalisador da história que é, basicamente, a mesma que vimos em O Velho Logan: a busca de Clint por vingança por seus companheiros mortos 45 anos antes. Não há nenhuma tentativa de estabelecer algum grau de complexidade, assim como Millar também não tentou no arco original do Carcaju.
Em uma maxissérie de 12 edições, com as seis primeiras encadernadas debaixo do subtítulo Olho por Olho (tradução literal que fiz de An Eye for an Eye, do original), especificamente os objetos da presente crítica, vemos Clint Barton, algum tempo antes de ficar completamente cego, sair pelo que restou dos EUA em uma road trip para flechar mortalmente aqueles que ele considera como diretamente responsáveis pelas mortes dos heróis sob seu comando, aí incluídos a Viúva Negra, Thor e Feiticeira Escarlate. Não há mistério na estrutura narrativa, com o Gavião Arqueiro de cabelão e barba brancos enfrentando os costumeiros obstáculos, encontrando com versões mais velhas de diversos outros heróis e vilões e sendo perseguido mais ostensivamente pelo xerife Lester, ex-Mercenário, agora com implante ocular de Deathlok, em uma criação realmente muito boa e que poderia gerar o spin-off O Velho Mercenário muto facilmente; e a fusão de Venom com o Madrox sobrevivente em uma combinação ensandecida e muito bem bolada pela multiplicação de simbiontes que naturalmente passa a acontecer.
É, em poucas palavras, diversão garantida, um ótimo exemplar de page turner como muito bem classificam os americanos quando se deparam com histórias que simplesmente não permitem que o leitor pare de ler antes de acabá-la. Não tenho muitas dúvidas que as seis edições restantes serão variações sobre o mesmo tema, mas, mesmo assim, fica aquela vontade insaciável de saber o que mais Barton vai aprontar nessa Terra de Ninguém dominada por vilões desenfreados. É um tipo de vontade diferente da que tive com o fantástico trabalho de Matt Fraction e David Aja a frente do herói, mas, mesmo assim, igualmente válida. A pancadaria é violenta como deve ser, sem economia de mortes por meio de instrumentos cortantes, notadamente, claro, flechas, ainda que alguns fatalities sejam convenientemente fáceis demais.
Se o roteiro de Ethan Sacks é praticamente um “plágio” do de Mark Millar, a arte de Marco Checchetto faz igual esforço para manter unicidade em relação à de Steve McNiven na obra original. E ele é muito bem sucedido em sua tentativa, sem deixar de imprimir seu próprio estilo, com linhas fortes, rostos marcantes e um domínio completo na diagramação de páginas e de uso de quadros, com uma belíssima distribuição espacial especialmente quando lida com uma grande profusão de personagens simultaneamente. E isso sem falar nas versões mais velhas dos vários personagens que desfilam pelas páginas das edições, a maioria inédita nessa distopia até agora. A sensação é de genuinamente voltarmos ao arco original de 2008, em forma de prelúdio, mas sem qualquer solução de continuidade visual.
Old Man Hawkeye é uma maxissérie feita unicamente para divertir, o equivalente em quadrinhos dos blockbusters descerebrados hollywoodianos, mas com qualidade para destacá-la de tantas outras por aí. É sempre fascinante lidar com futuros e realidades alternativas e esse futuro apocalíptico para os super-heróis é um dos mais prolíficos e melhores da leva moderna dos quadrinhos Marvel. Que venham mais futuros assim!
Old Man Hawkeye – Vol. 1: Olho por Olho (Old Man Hawkeye – Vol. 1: An Eye for an Eye, EUA – 2018)
Contendo: Old Man Hawkeye #1 a 6
Roteiro: Ethan Sacks
Arte: Marco Checchetto
Cores: Andres Mossa
Letras: Joe Caramagna
Editoria: Mark Basso
Editora original: Marvel Comics
Data original de publicação: março a agosto de 2018 (encadernado: 15 de agosto de 2018)
Páginas: 134