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Crítica | Olá, Amanhã! – 1ª Temporada

Vendendo sonhos.

por Ritter Fan
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Olá, Amanhã atraiu-me imediata e incondicionalmente por duas razões: o belíssimo design retrofuturista da série e o protagonismo de Billy Crudup, ator que gosto muito apesar de reconhecer que muito mais pelo seu magnetismo e presença em tela, do que exatamente por sua capacidade dramática, ainda que ele nunca desaponte neste segundo aspecto. Em outras palavras, a criação de Amit Bhalla e Lucas Jansen para o Apple TV+ não precisava de muito mais para me encantar. Infelizmente, porém, o resultado ficou aquém do que se poderia esperar de uma premissa tão interessante sobre a comercialização de sonhos com um pano de fundo sobre um pai arrependido que tenta se reconectar com o filho.

Nos EUA dos anos 1960 que parece sair diretamente da animação Os Jetsons, Jack Billings (Crudup), com a ajuda de uma entusiasmada equipe, vende condomínios de propriedade compartilhada no estilo timeshare na lua. Seu público alvo é formado de pessoas que, pela chegada da idade ou por circunstâncias variadas, como divórcio, querem mudar completamente de vida ou, claro, querem fugir da vida que têm. É, para todos os efeitos, a ficcionalização do famoso caso real de Dennis Hope que há décadas realmente vende glebas de solo lunar para quem quiser comprar, o que demonstra que a realidade é costumeiramente mais estranha que a ficção. A diferença é que, nesse mundo da série, viagens civis para a lua são comuns e, mesmo que isso não fique completamente claro durante a temporada, tudo indica que nosso satélite foi colonizado.

Billings utiliza a estratégia de caixeiro viajante, passando de cidade em cidade com suas irresistíveis ofertas que ele apresenta em salas de convenção de hotéis, depois de fazer publicidade de sua chegada. Mas a grande verdade é que, assim como Hope, Billings vende o nada, aproveitando-se da credulidade das pessoas para ganhar dinheiro que ele usa para pagar seus agentes de venda – a séria e dedicada Shirley, vivida por Haneefah Wood; o perdulário e viciado em apostas Eddie, vivido por Hank Azaria e o recém-casado Herb, vivido por Dewshane Williams – que ele mantém na completa ignorância sobre as falcatruas, o que só reitera a temática da série que trabalha o quanto faz parte da experiência de ser humano essa vontade, contra todas as probabilidades, de se agarrar a um sonho, a uma promessa de mudança, de uma vida melhor. Mas Jack tem ainda outro segredo, um filho adulto em uma das cidades por que eles passam, cidade essa que ele manobra para transformar em uma base de operações para que Jack descubra uma maneira de contar a Joey (o sem graça Nicholas Podany) que ele é seu pai que o abandonara, algo que ele começa fazer da pior maneira possível: empregando Joey em sua empresa de venda de sonhos sem contar a ninguém sobre a identidade do rapaz.

Pode ser que seja eu, mas, quanto mais eu escrevo sobre a premissa da série, mais eu gosto dela e mais frustrado eu fico com o que acabou sendo feito. Havia muito o que trabalhar, especialmente o fascinantemente complexo Jack Billings e sua vida de mentiras que ele esconde atrás de um sorriso sincero, uma atitude expansiva e um joie de vivre que poucos têm. O grande problema da série é que os roteiros rodam, rodam, rodam e não conseguem sair do lugar, não conseguem desenvolver os personagens para além do estrito confinamento arquetípico em que eles foram inseridos inicialmente e não conseguem fazer com que a narrativa caminhe de forma fluida, sem criar barrigas repletas de momentos cansativos e até irritantes de autoajuda que realmente parece uma daquelas seções de livrarias em que esse tipo de livro e despejado em quantidades enormes para justamente vender sonhos, vender o nada.

Reconheço que a história é construída para ser uma drama com tons cômicos ou, talvez melhor classificando, tragicômicos, mas a criação de Bhalla e Jansen parece enamorada demais com sua premissa e com a manifestação visual dessa irresistível década de 60 retrofuturista a ponto de não conseguir caminhar verdadeiramente para a frente, preferindo ficar parada no mesmo lugar como Jack no hotel e em toda a sua vida, com medo de abraçar o passado para construir um futuro desafiador. E, com isso, o tom novelesco acaba imperando e tudo o que resta é o elenco que consegue segurar a série ali na linha mediana, valendo especial destaque para o carismático Crudup, o excelente Azaria e a encantadora Wood, além de Alison Pill como uma cliente que começa a desconfiar que há algo de podre no reino da lua. Claro que o design cuidadoso de um futuro do passado é, como eu já imaginava, lindíssimo e incrivelmente verossimilhante, mas isso nem de longe é suficiente para elevar o conjunto, até porque a produção poderia ter ousado ainda mais.

Se Olá, Amanhã tiver uma segunda temporada, eu sei que assistirei pelas mesmas razões que me atraíram para o ano inaugural, mas tenho plena consciência de que Amit Bhalla e Lucas Jansen me venderam um sonho e, se não posso dizer que não entregaram nada como Billings, certamente entregaram muito pouco, bem menos do que deveriam. Ainda é muito simpático mergulhar no retrofuturismo da série e apreciar o elenco central, mas é bom saber o que estamos comprando para não nos frustrarmos tanto.

Olá, Amanhã – 1ª Temporada (Hello Tomorrow! – EUA, de 17 de fevereiro a 07 de abril de 2023)
Criação: Amit Bhalla, Lucas Jansen
Direção: Jonathan Entwistle, Ryan McFaul, Stacie Passon
Roteiro: Amit Bhalla, Lucas Jansen, Olivia Milch, Wes Brown, Jiehae Park, Stephen Falk
Elenco: Billy Crudup, Hank Azaria, Haneefah Wood, Alison Pill, Nicholas Podany, Dewshane Williams, Jacki Weaver, Dagmara Domińczyk, Michael Paul Chan, Matthew Maher, Michael Harney, Frankie Faison, W. Earl Brown, Gabriel Ebert, Susan Heyward
Duração: 306 min. (10 episódios)

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