Entre diversas versões do mito de Polifemo e Galateia, é conhecida aquela em que termina com um fim trágico. Polifemo apaixona-se pela nereide Galateia, uma das ninfas do Oceano. Ela é a representação da beleza, enquanto ele, assustadoramente feio, grosseiro, com um único olho. Ao ser rejeitado, Polifemo cria uma obsessão pela ninfa, não conseguindo esquecê-la e tudo que tenta para obtê-la se mostra um esforço vão. A ninfa entrega-se a outro homem e o gigante, tomado por um ciúme vingativo, mata-o, atirando-lhe uma rocha. Ela safa-se mergulhando no mar. É de conhecimento geral que essa é uma das maiores histórias de amor e rejeição na história da cultura e não diferente desse mito é o enredo de Oklahoma!, ainda que com menor tragédia, drama e sofrimento, afinal, essa é uma comédia musical.
Oklahoma! (Fred Zinnemann, 1955) é um musical baseado na peça homônima original da Broadway de Richard Rodgers e Oscar Hammerstein. O argumento se desenrola em torno do envolvimento amoroso entre Curly (Gordon MacRae) e Laurey (Shirley Jones) no início do século passado no Kansas City, em Oklahoma. Haverá um baile de arrecadação nos próximos dias e Laurey gostaria de ir com Curly, mas está cerceada pela figura de Jud (Rod Steiger), o homem que trabalha para a sua família e cuida da fazenda. Anteriormente, Jud já havia convidado Laurey para a festa, mas no meio do caminho aparece o todo bonitão Curly, que extermina as chances do desajeitado Jud, gerando um conflito pelo coração da jovem.
A trama de Polifemo e Galateia aí já é evidente, ficando ainda mais notável no terceiro ato quando a rejeição gera ciúmes e vingança. A caracterização de Jud não deixa dúvidas de que se bebe dessa fonte. De fato, há uma comoção no desenrolar da história desse personagem e a direção não poupa esforços em maltratá-lo. É neste ponto que discordo do curso dramático e da escolha na construção do enredo desse Polifemo. Não acho que caiba – pelo próprio bem de uma harmonia do filme – uma amargura tão grande na sua figura, e deixá-lo à toa, como se ele fosse a maçã podre da comunidade, não combina com o tom do filme. O antagonismo não ficou bem e me soa demasiadamente deslocado.
No entanto, se tenho críticas negativas a respeito da construção de personagem, tenho elogios à imagem fílmica. Não só o plano-aberto é muito bem executado nessa intenção de captar as extensões da paisagem, mas também as cores primárias, que são pigmentadas, junto de cenários criativos, que, juntos, perfazem um todo agradável de se ver, são aspectos positivos da obra. O roteiro é simples mas consistente e consegue escapar de possíveis erros por meio da música cantada e encenada. “Oh, What a Beautiful Morning” é o grande trunfo da película incontestavelmente. Com isso, a extensão desmedida do filme, afinal, ele poderia ser muito menor, parece ser maquiada por meio das ótimas canções e de um roteiro que é prazeroso de acompanhar. Se vale a opinião: o musical por si tem um valor um pouco maior do que o drama do enredo.
A cena mais notável do longa, e que me fez lembrar o avermelhado de Dario Argento (Suspiria, 1977) junto do esfumaçado de David Lynch, é, sem dúvida, o episódio do sono. Não só por conta da metalinguagem na formação cênica, mas porque toda a encenação dramática e muda conclui uma espécie de interlúdio dentro do filme – e também em nada deixa a desejar na parte estética. Não há, em todo o longa, um trecho tão bem acabado. Oklahoma! vende muito mais sua música do que sua trama e o seu desfecho não surpreende, mas retoma alguns pontos essenciais e te evidencia que está recobrando episódios já vistos, fazendo com que as coisas adquiram sentido. É, enfim, envolvente e se pegá-lo desprevenido o fará cantarolar canções que te deixam obcecado já numa primeira passada.
Oklahoma! (Oklahoma!, EUA, 1955)
Direção: Fred Zinnemann
Roteiro: Sonya Levien, William Ludwig
Elenco: Gordon MacRae, Shirley Jones, Gene Nelson, Gloria Grahame, Charlotte Greenwood, Rod Steiger, Eddie Albert, James Whitmore, Roy Barcroft
Duração: 145 min.