Com direção e roteiro de Erico Rassi, Oeste Outra Vez (2024) explora, numa paisagem do sertão goiano, o machismo violento e os muitos pactos da pior versão da masculinidade, temas interessantíssimos para se discutir pelo ponto de vista de indivíduos que foram abandonados por mulheres e que, por se negarem a aceitar o fim de um relacionamento, voltam-se contra os novos parceiros dessas mulheres, iniciando uma sequência de brigas, agressões verbais, ameaças e, quase sempre, morte. A trama gira em torno de pessoas que são incapazes de lidar com suas fragilidades e que não processam a solidão, tentando escondê-la sob uma camada de vingança, de bebedeira, jogos, “música sofrência” e laços desesperadamente fraternos com outros homens na mesma situação.
O sofrimento e a amargura resultantes do abandono levam os personagens de Oeste Outra Vez a uma classificação dada pelo próprio diretor, numa entrevista durante a 48ª Mostra SP, onde o longa foi exibido, dizendo que sua intenção primordial não foi explorar o cotidiano de homens abandonados, mas de homens frágeis com grande disposição para violência, o que é exatamente o principal foco da fita – mesmo quando o personagem, em sua expressão e performance de gênero, não pareça, exatamente, o tipo de homem “disposto a tudo”. A escolha de um elenco inteiramente masculino, representando o estereótipo do “macho brasileiro“, contribui para a construção da crítica proposta pelo diretor e roteirista, e a ausência de personagens femininas (aparece uma única mulher ao longo de toda a projeção, que não diz nada, apenas vira as costas e abandona aquele inferno de macheza cruel) reforça a ideia de masculinidade tóxica e autodestrutiva como um ciclo fechado e imitado por caras que crescem no meio.
A abordagem para o tema, aqui, vem por uma estética de faroeste à brasileira, utilizando o cenário do sertão goiano para situar o grande espaço de fuga e perseguição que se desenrola ainda no primeiro ato. Exceto por um trecho de cena extremamente escura (e que fica assim por tempo demasiadamente longo, sem um desenho sonoro que consiga suplantar a tela preta, que não faz sentido para existir daquela forma, no filme), as composições estéticas do longa são ótimas e, juntamente com a trilha sonora cheia de antigos “sucessos de bar do interior” completam o imaginário dos sentimentos suprimidos de todos esses homens em cena. O elenco masculino tem ótimas interpretações (algumas delas inesperadamente cômicas), e é preciso destacar a excelente entrega de Rodger Rogério, aos 80 anos, ao papel do pistoleiro Jerominho, que acompanha um também ótimo (e mais contido, falsamente sensível) Ângelo Antônio. Como componentes posteriores da narrativa, igualmente merecendo destaque pelo ar de novidade que trazem à obra, acrescentando outras camadas ao padrão de hombridade cruel aqui exposta, temos Daniel Porpino e Antônio Pitanga destacando-se principalmente no clímax do filme.
Mirando as relações entre homens violentos e amorosamente feridos, Erico Rassi cria uma fraternidade masculina autodestrutiva e, ao mesmo tempo, alimentada pela empatia ressentida de seus iguais. A última cena da fita é brilhante, nesse aspecto. É um momento extremamente melancólico, filmado de maneira a causar asco ou repulsa emotiva no público, mesmo que não haja nenhuma ação verdadeiramente violenta ali. Não é como se esses homens escondessem, uns dos outros, os seus dissabores. Ao contrário. É o compartilhamento dessas tragédias amorosas que alimenta a bebedeira, a dança, o bilhar, as conversas e a cantoria em torno da traição ou do fim de um relacionamento, abrindo as portas para uma vida que terá como únicas funções insistir em voltar para a mulher amada… ou matar os outros homens que ela escolher para viver. Tudo em nome do que esses indivíduos acham que é amor, mas que, na verdade, é mania de domínio, de posse, de controle da mulher sob um grilhão de ego, orgulho e suposta honra que deveriam ter deixado de existir há séculos.
Oeste Outra Vez (Brasil, 2024)
Direção: Erico Rassi
Roteiro: Erico Rassi
Elenco: Ângelo Antônio, Rodger Rogério, Antônio Pitanga, Babu Santana, Adanilo, Daniel Porpino, Tuanny Araújo
Duração: 97 min.