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Crítica | Observadores (The Voyeurs)

por Davi Lima
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observadores

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Seria estranho se eu pedisse para te fotografar?

Quando se fala de voyerismo sempre vem aquela discussão entre o erotismo e o pornô, pois qual seria a diferença entre observar pessoas nuas enquanto se despem, ou fazem sexo, do explícito e totalmente sexual ativo de um vulgar pornô, feito para masturbação, etc.?

Essa discussão vai longe, porque a linha tênue entre os dois conceitos conversam até com a ideia do que é arte. No entanto, partindo para a linha mais próxima do filme Observadores, tratando de Montreal, do cotidiano de vizinhos bisbilhoteiros e do senso comum da contemporaneidade xófen”, o voyerismo para o diretor e roteirista Michael Mohan conversa mais das redes sociais e da questões mais imediatas de questionamento sobre o que é certo e errado, tratando símbolos dramáticos didaticamente e colocando o espectador co-participador do binóculo dos protagonistas Pippa (Sidney Sweeney) e Thomas (Justice Smith), além de por a câmera onisciente para que quem assista seja voyerista desde a primeira cena do longa. Dessa forma, talvez haja uma lógica genial audiovisual que supra os aprendizados da imagem ambígua que Brian De Palma e Alfred Hitchcock famosamente ensinaram ao cinema tratar do tema voyeur e a incerteza do efeito de como as cenas impactam como poder de suspense, mas num mundo de cancelamentos e virtualidade constante na palma da mão, Observadores nem se importa com o que é falso, ou não.

Voltando a conversa sobre a diferença entre erotismo e pornô, muito se define pelo olhar que é o mediador do desejo, apreciação e objetificação. O filme de Michael Mohan abrir os créditos com as íris dos olhos, escrever que sua protagonista é oculista/oftalmologista e considerar o maneirismo de câmera do diretor de fotografia Elisha Christian (Max Ritcher‘s Sleep, Columbus, Everything Sucks!) para sensibilizar/sensualizar um exame de refração para prescrição de óculos cria uma unidade temática e formal aparente em na obra. O roteiro de Mohan é bem detalhista nas lógicas de acontecimentos, em que os personagens e seus empregos tem uma relação verossímil com as possibilidades tensionantes para a história, fora os flashforwards verbais que diplomatizam mistérios do voyerismo.

Assim, há uma contextualização bastante desenvolvida, em que não há pontas sem nó que o público pode reclamar. É um roteiro praticamente de almanaque para os reclamões da internet que querem encontrar furos de roteiro, enxuto de personagens que sejam efetivamente conectados e insurgentes de plausibilidade para quaisquer novas ideias do jovem casal Pippa e Thomas para assistir o outro casal vizinho no prédio em frente. No entanto, roteiro não é imagem, logo, quando se trata de voyerismo nada o que se vê é seguro, mesmo com uma história amarradinha em seus conflitos.

O público pode se entreter com a nudez, as cenas de sexo, entrando aí na linha tênue do pornô refinado, ou erotismo muito explícito, e talvez isso deixe-o extasiado demais para perceber algum desnível dramático da narrativa, ou até mesmo sentir, porque nunca se sabe plenamente como a fotografia de Observadores quer trabalhar suas camadas, pensando no filme na totalidade. Até certa parte do longa uma ausência de intensidade com um acontecimento pode sugerir que a narrativa esteja mais interessado com a reação de Pippa e Thomas do que com os vizinhos interpretados por Ben Hardy e Natasha Julia Bordizzo.

Isso acontece porque na experiência de assistir à obra a ambiguidade mais intrigante perpassa pelo olhar de Pippa, o que ela olha e como ela delineia seus vizinhos como personagens na janela, e como isso afeta seu parceiro Thomas, seja com a simbologia explicadinha dos passarinhos tomando água como farol de problemas para os protagonistas, seja o desenho romântico da lousa apagado para outros interesses que não o secreto deles. Entretanto, Mohan tem uma preocupação moral com a espécie humana, como ela se vê no tema de sua história, por isso ele utiliza a arte da fotografia, profissão do vizinho, para sugerir novos limites para seu discurso, o que acaba desorganizando as camadas do binóculo, do casal protagonista e dos vizinhos do outro lado do prédio.

A causa disso é o espelhamento, o que se discutia sobre o que se olha e como olha, o que se discute em casa, na internet, o que se moraliza do outro lado da janela, com isso também não é uma opressão? Será que quem assiste muito pornô, ou busca apreciar o erotismo como tentativa de desvulgarizar o explícito não quer resultar o que se olha? Ou a arte é poderosa para que emulações não substituam realmente as emoções de um matrimônio, ou relacionamento não aberto? Observadores questiona tudo isso como um xófen” do twitter, que após tudo isso entra numa conversa sobre as morais fabulares de Esopo para se libertar e dizer: é preciso lembrar que as fábulas de Esopo eram feitas para seus escravos.

Ou seja, o roteiro de Mohan cria argumentos joviais para suas concretizações, seja moral ou imoral, com justificativas que esquecem que Esopo era um escravo na Grécia, ou mais uma descoberta pós-moderna explica-se num filme, como surgem os melhores fios das redes sociais. A brincadeira do que é falso ou não é do outro lado da janela é esquecido quando a história invoca o cancelamento internauta, porque o binóculo com um olho rachado ainda pode praticar a espionagem.

Talvez para alguns, Observadores tenha perdas de drama ou de plausibilidade nos minutos finais, porém ele abre mais para a brincadeira da ficção e do real, causando estranhamento. Quando o voyerismo não mais impõe consequência, pois tudo parece muita coincidência, verbaliza-se a ambiguidade, que mesmo na lógica do roteiro o espectador pode questionar na elipse da montagem, na elipse do que não se viu, tudo pode ser conspiração passageira para voltar a solteirice. O ceticismo fala mais alto no mundo contemporâneo, por isso dramaticamente a montagem da obra se preocupa mais com os cortes literais da edição do que com o significado subliminar por trás de algum símbolo do ovo que sempre aparece.

O olhar sensual, os óculos de famme fatale, até mesmo estrangeirismo francês e japonês que compõem o contexto canadense, gostam mais de causar do que ditar uma moral que é discursiva como modo de pornografar o erotismo. Mohan perde muito a ambiguidade e desvaloriza bastante a atmosfera que cria, mas parece muito certeiro em entender o pecado juvenil em abrangência. Tal pecado por um viés religioso (por que não?), ou por uma linha mais literal de errar o alvo e poder se esconder atrás do celular.

Observadores (The Voyeurs) – EUA, 2021
Direção: Michael Mohan
Roteiro: Michael Mohan
Elenco: Sidney Sweeney, Justice Smith, Ben Hardy, Natasha Liu Bordizzo, Katharine King So, Cameo Adele, Jean Yoon, Cait Alexander, Blessing Adedijo
Duração: 116 minutos

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