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Crítica | O Vampiro, de John William Polidori

Nos primórdios da literatura vampírica.

por Luiz Santiago
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Os vampiros sempre fizeram parte do imaginário folclórico da Europa e de algumas outras regiões do mundo, cada lugar tendo o seu representante que se assemelha, de alguma maneira, a essa criatura que hoje conhecemos tão bem através das artes. Etimologicamente, já se pode encontrar palavras na Europa Oriental do século XI que referiam-se a uma criatura sugadora de sangue, da energia vital de um ser vivo. Todavia, foi durante as décadas de 1720 e 1730 que esse personagem de horror presente em diversas culturas ganhou notoriedade e discussões massivas pela população da Europa. No final dos anos 1700, a palavra “vampiro” já constava pela primeira vez na maioria dos idiomas centrais do continente e já era encontrada na poesia de meados daquele século.

Contudo, foi apenas com a publicação do conto O Vampiro (1819), de John William Polidori, que a literatura não só ganhou o seu “primeiro vampiro completo”, como também um protótipo para diversas outras histórias que surgiriam das linhas polidorianas, talvez enganadas pela inicial publicação do conto sendo erroneamente atribuído a Byron, talvez verdadeiramente impressionadas por uma representação tão fascinante de um homem da alta classe britânica incorporando um não-vivo, um ser perigoso, corruptor, altamente sexualizado e sugador de sangue. O fascínio que a literatura gótica tinha para com esse tipo de temática acabou sendo um terreno fértil para a expansão de tais sombrias presas pela literatura.

Polidori foi, por alguns anos, o médico particular de Lord Byron, e estava presente na famosa noite tempestuosa de junho de 1816, quando o famoso poeta maldito, ao lado de Percy e Mary Shelley (à época Wollstonecraft Godwin) e Claire Clairmont (irmã de Mary) estavam em uma propriedade na Suíça (Villa Diodati) e se engajaram em um concurso literário, onde cada um deveria escrever a sua história de fantasma, a sua história sombria. Byron rascunhou um texto que hoje conhecemos como Fragmento (publicado alguns meses depois de O Vampiro), mas acabou enjoando do exercício e desistiu do concurso, deixando a obra inacabada. Três anos depois, Polidori traria ao mundo a sua própria versão de uma história vampírica, baseada no Fragmento de seu antigo paciente.

Em seu texto, Polidori nos faz conhecer Aubrey, um jovem inglês de modos reservados que está entrando agora na sociedade. Ingênuo e inocente, ele vê algo de muito especial no misterioso Lord Ruthven, que faz as mulheres morrerem de amor por ele e concentra em si uma grande quantidade de olhares admirados, amedrontados e embasbacados. Num primeiro momento, o conto tratará da relação de fascínio entre um jovem puro que descobre a “sujeita do mundo” ao entrar em contato com um homem impuro, que, obviamente, é o nosso vampiro. Essa jornada de maturidade para Aubrey implica na descoberta de diversas coisas da vida adulta, além do contato com o lado sombrio, sobrenatural da existência. E é com essa atmosfera que a segunda parte da narrativa — a mais interessante e melhor escrita — se concentra.

Lord Ruthven aparece pouco, mas o autor consegue fazer valer muito bem essas poucas aparições. Infelizmente sua escrita não é bem aparada e está marcada por interrupções, abandono de personagens e construção pobre de cenários ou situações de peso, como a sequência de tempestade noturna que Aubrey enfrenta certa noite. O evento é chamativo, mas a escrita de Polidori não consegue dar o devido valor ao que está acontecendo, inclusive tornando confusa a presença de sua bela guia grega, Ianthe, que acaba morrendo vítima de ‘um vampiro‘. O autor só logra uma prosa mais fluída e com uma cadência consistente na reta final, quando passa a tratar especificamente dos problemas emocionais de Aubrey, profundamente perturbado pelo terror de reencontrar Lord Ruthven.

Esse “grande mal” que ronda a todos, mas que está disfarçado sob uma casca socialmente aceita será uma característica dos vampiros masculinos a partir dessa obra, inclusive com a tal vida aristocrática, conseguindo se disfarçar entre os cidadãos comuns, mesmo que provoque impactos negativos ao seu redor. Esse “grande mal” causa uma tremenda angústia na reta final de O Vampiro. Aubrey está comportamentalmente afetado e ninguém acredita mais nele, achando que o que diz que é fruto de uma mente enlouquecida, e ele tem que amargar o fato de ver sua irmã casar-se com um monstro. É uma situação que toca o leitor e mostra como o ser das trevas age de maneira inteligente, fazendo de tudo para conseguir o que quer.

Ninguém escapa do vampiro, e este destrói as vidas não apenas através de sua mordida, mas simplesmente pelo seu contato com elas. Um verdadeiro “mal ambulante” que aqui é ressuscitado pela luz da Lua e, mais angustiante ainda, não tem nada que parece ser capaz de matá-lo de verdade, o que ressalta o terror de sua presença. Não à toa o conto fez um enorme sucesso e deu início a uma febre literária cujas consequências encontramos até os dias de hoje. Um texto historicamente importante para entendermos as raízes desse personagem tão magnético que é o vampiro.

O Vampiro (The Vampyre) — Reino Unido, 1º de abril de 1819
Autor: John William Polidori
Publicação original: The New Monthly Magazine (com a falsa atribuição “A Tale by Lord Byron“)
Edição lida para esta crítica: O Vampiro – Edição comemorativa de 200 anos (Editora Clepsidra, 2020)
Tradução: Marina Sena
41 páginas

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