Uma das missões da paródia é estabelecer um tom parricida. O texto ponto de partida, Drácula, romance do escritor Bram Stoker, é o pai. O filho, neste caso, é o rebelde O Vampiro da Paulista, trama que não somente pega como empréstimo o legado e o impacto cultural da criatura da noite mais famosa da literatura e do cinema, como também abandona a sua base logo após o preâmbulo para versar sobre a mitologia vampírica numa perspectiva avacalhada, salvaguardadas as devidas proporções comparativas, da mesma forma que Nosferato no Brasil fez lá na década de 1970, ao flertar com o clássico expressionista de F. W. Murnau em território carioca. Geograficamente, por sinal, o filme alvo desta breve análise também traz um monstro na região sudeste do país, desta vez, em São Paulo e, especificamente, numa de suas avenidas mais cosmopolitas. Estranheza, situações absurdas e algumas doses de sangue embalam esta divertida, irregular, mas honesta narrativa dirigida por Beto Ribeiro e Carla Albuquerque.
Quando digo honesto, reforço o quão a proposta pretende brincar com a história clássica. O humor exagerado é o tom em O Vampiro da Paulista, um filme de 75 minutos com maior parte de suas cenas rodadas na agitada noite efervescente de São Paulo. Mesmo com sua perspectiva proposital no que diz respeito ao buscar ser tosca, a produção é pecaminosa apenas pelas atuações coadjuvantes, personagens que atravessam a jornada do vampiro interpretado por Rodrigo Miallarete. Um dos grandes problemas de muitas produções do cinema brasileiro ainda é o desempenho dramático de atores que esquecem o suporte narrativo em questão, isto é, a abordagem cinematográfica, atuando como se estivessem em novelas, teatro ou, em alguns casos, como nós podemos ver por aqui, em vídeos amadores nas redes sociais. Constrange.
Ademais, lançado em 2017, O Vampiro da Paulista começa com uma longa narração para acompanhar o que é animado em tela. Um mapa europeu é estabelecido, com foco na Romênia, terra do Conde Drácula. Com um português carregado de sotaque, o vampiro começa a nos contar a sua história, para que possamos compreender como ele chegou ao Brasil. Vivendo uma existência comum e sem qualquer dose de autenticidade, Ysefer acaba sendo mordido por Drácula e se transforma em um vampiro. Ao achar que detinha poder e, simbolicamente, o trono para reforçar a sua imponência, ele é traído por Misti (Ceçary Goldschmidt), uma bruxa poderosa que será reencontrada séculos depois quando o vampiro desajeitado desembarca em São Paulo.
Inserido num mundo repleto de mudanças, Ysefer atravessa o contemporâneo urbano e sua agitação, tendo que lidar com vendedores ambulantes, mendigos, homossexuais afetados digladiando por alguma atenção na dinâmica de entrada de casas noturnas, dentre outras figuras sociais que circundam pelo espaço e cumprem duas funções: ou fornecem a substância básica para que o vampiro se mantenha vivo (sangue) ou deixam pistas para que a sua missão por aqui seja devidamente cumprida (encontrar a bruxa e se vingar da maldição secular culminada no momento de traição). Com alguns momentos irreverentes e outros de humor que não se mostra forte, O Vampiro da Paulista ainda brinca com a mitologia dos vampiros, delineando o quão ultrapassado está a crença na cruz, no alho, na transformação em morcego, dentre outros.
Em linhas gerais, uma comédia que toma o terror como ponto de partida para parodiar um clássico literário. Funciona para quem compra a ideia, mas pode provocar estranhamento para quem se interessar por uma narrativa de vampiro mais autêntica.
O Vampiro da Paulista (Brasil– 2017)
Direção: Carla Albuquerque, Beto Ribeiro
Roteiro: Beto Ribeiro
Elenco: Murilo Cesar, Gabriela Garcia, Rodrigo Miallaret, Alejandra Sampaio, Ana Paula Lopez, Carlos Fariello, André Mendes, Ceçary Goldschmidt
Duração: 75 min.
