Inicialmente traduzido como Temporada de Rinocerontes aqui no Brasil, O Último Poema do Rinoceronte (2012) é, até o momento, o filme mais fraco do curdo-iraniano Bahman Ghobadi desde o seu primeiro longa-metragem, Tempo de Cavalos Bêbados, embora, devamos admitir, seja o seu filme mais belo. Baseado nos diários do poeta iraniano Sadegh Kamangar, o filme entrelaça um momento decisivo na história do Irã (a Revolução de 1979) e questões passionais de forte impacto sobre o público em geral, como o triângulo amoroso problematizado com questões morais e éticas mais estética cheia de poesia e ampla dose de simbolismos.
O roteiro é alinear. A maior parte da trama, ou pelo menos a mais substancial no âmbito de “sentido” para a história, está no passado. Nesses flashbacks, temos uma compenetrada Monica Bellucci, silenciosa, séria e amedrontada. Ela não faz um trabalho ruim, mas o espectador perceberá que sua presença no elenco é apenas uma escolha de marketing. Sua personagem se encaixaria melhor na obra se fosse apenas uma ideia, no máximo, uma fotografia. Praticamente sem falas e apenas com o impacto de estrela para a obra, Bellucci se torna um dos muitos problemas que o diretor Bahman Ghobadi não pode evitar — ou não quis? Ou não soube? — neste filme.
À medida que esse jogo labiríntico de presente, passado, cool art, imaginação e sonho explodem na tela, o púbico procura um foco, algo a que se apegar. Um filme poético é quase como qualquer outro filme: ele precisa ter coesão em si mesmo, precisa ter um ponto de partida, algo onde se irá construir (ou desconstruir) o tema, algo sobre o quê fazer poesia. Em O Último Poema do Rinoceronte, o lirismo parece completamente dissociado da trama (embora o diretor force algumas cenas para nos convencer que não) e a única coisa que realmente cresce e amadurece ao longo dos 88 minutos é a composição visual da obra. A excelente fotografia de Turaj Aslani conhece novos filtros dentro de sua paleta mais escura, mudando as emoções do espectador através da cor e da contemplativa forma como mostra o envelhecimento da tríade principal, do cenário e, como um todo, da eternidade da poesia.
Com apenas este ponto fixo bem estruturado, todo o restante de O Último Poema do Rinoceronte é a alternância entre pequenas cenas simbólicas ou enigmáticas e uma história de vida. O filme até poderia se passar por um experimento cinematográfico, mas ele não foi concebido assim; todo o seu enredo se esforça para nos vender um drama pessoal marcado cruelmente pelo surgimento de um novo regime político(-religioso). Aqui não há nada da sólida relação entre fantasia musical e guerra de Tartarugas Podem Voar ou da forma também onírica, mas narrativamente superior de Exílio no Iraque. Em algum ponto, é perfeitamente possível ver a fidelidade de Ghobadi para com algumas de suas propostas já exploradas em películas anteriores, mas aqui, ao mergulhar no subjetivo de um poeta (e querer fazer poesia de tom onírico e reflexivo com isso), o diretor é quase afogado pela imagem e não se salva a tempo de entregar um filme que dissesse algo (de fato!), ao invés de apenas sugerir.
O Último Poema do Rinoceronte é um ótimo espetáculo visual. Claustrofóbico — até na representação do quadro Os Amantes, de René Magritte — e conceitualmente bem dirigido, o longa entrega ao público uma projeção puramente etérea, quase inteiramente marcada por alumbramentos de todas as espécies. As pequenas ilhas de realismo jamais conseguem se destacar diante do enorme arcabouço poético no qual se fixa o longa. A experiência é bastante válida porque a beleza aqui não é vazia, ela tem um gigantesco número de significados. Mas o enredo do filme é repelido por este tratamento visual fechado em si. Duas coisas concebidas em uma mesma fonte, absurdamente contrastantes, mas forçadas a ficar juntas.
O Último Poema do Rinoceronte (Fasle kargadan) — Irã, Iraque, Turquia, 2012
Direção: Bahman Ghobadi
Roteiro: Bahman Ghobadi
Elenco: Behrouz Vossoughi, Monica Bellucci, Yilmaz Erdogan, Caner Cindoruk, Belçim Bilgin, Arash Labaf, Ali Pourtash, Beren Saat
Duração: 88 min.