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Crítica | O Túmulo do Batman

por Ritter Fan
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Having your employer fall into a coma miles from home while dressed as a giant, gothic flying mouse is so much more comfortable for one when you announce it in advance.
– Pennyworth, Alfred.

O que não falta é HQ do Batman por aí. Se isso não é particularmente uma novidade, tenho para mim que, de uns tempos para cá, o personagem e seus bat-derivados são tudo o que a DC Comics tem para oferecer, suplantando e muito seus outros medalhões como Superman e Mulher-Maravilha. E o pior é que as ofertas são, em sua maioria, na base de momentos ou artifícios bombásticos feitos para espantar ou vender bonequi… digo, figuras de ação variadas, como as várias novas versões do Batman de outros universos que vêm pipocando incessantemente o panteão do Morcego.

E essa é, talvez, a principal razão pela qual O Túmulo do Batman seja uma minissérie tão valiosa e incomum nos dias de hoje. Afinal, o Batman que Warren Ellis escreveu ao longo de 12 edições desenhadas por Bryan Hitch – a dupla criadora de The Authority – é o Batman da velha guarda que usa suas habilidades detetivescas acima de seus punhos, chutes e gadgets. É, para todos os efeitos, um retorno ao estilo Dennis O’Neil de encarar o Homem Morcego, mas sem que Ellis esqueça que está no século XXI e que precisa mostrar alta tecnologia para que os leitores modernos não estranhem muito.

O Túmulo do Batman é, essencialmente, uma história que pode ser encarada fora da cronologia oficial do Batman e que é completamente fechada em si mesma. O herói que Ellis escreve parece ser uma amálgama de vários momentos de sua cronologia, pois ele ainda é temido e enfrentado pela polícia, mas tem fortes laços com o Comissário Gordon, ainda que eles mantenham uma distância saudável. Da mesma maneira, a conexão de Bruce Wayne com Alfred Pennyworth é inusitada e uma das mais bem escritas que já li em quadrinhos do personagem, com o mordomo não só condenando abertamente os métodos de seu patrão, como afirmando com todas as letras que não só seria melhor que ele doasse toda sua aparelhagem para a polícia, como que sua luta contra o crime é uma luta contra os despossuídos de uma sociedade injusta. E, como se isso não bastasse, Alfred transita pela Mansão Wayne como se ele dono fosse, bebendo álcool constantemente e defendendo o porte de armas na frente de seu patrão sob o raciocínio de que elas não são mais do que instrumentos e que, quem matou Thomas e Martha Wayne não foi uma arma, mas sim quem a empunhava.

De certa maneira, Alfred é o grande personagem aqui. É ele que provê os comentários sociais, contextualiza a história tanto para os leitores quanto para seu patrão e participa dos exercícios de dedução de Bruce Wayne, contribuindo com sua abordagem única de alguém que não só já matou, como está perfeitamente preparado para matar novamente. Ellis escreve um mordomo fora do comum mesmo considerando as mais diversas versões de Alfred que existem por aí ao longo das décadas. Além disso, Ellis tem a ousadia de construir um Comissário Gordon ou muito inocente ou condescendente com a violência policial, além de um Batman que não tem o menor pudor em apelar para a tortura para conseguir o que quer. O importante, porém, é que o leitor saiba ler nas entrelinhas do que o autor quer passar com essas abordagens mais maduras e, diria, arriscadas para os tão queridos personagens.

A história em si é de queima bem lenta. Os leitores mais afobados provavelmente quererão largá-la já na segunda edição, mas isso seria um erro. Batman basicamente tropeça em uma trama que começa minúscula, mas que, aos poucos, vai ganhando proporções gigantescas, mas sem que Ellis tenha que recorrer a revelações bombásticas sobre, por exemplo, a identidade do grande vilão. Não existe, aqui, a bat-família ou os bat-vilões para que o roteirista encontre uma saída fácil para sua narrativa ou para deixar o leitor mais confortável. Tudo é criado do zero e desenvolvido do zero, com Batman constantemente usando suas habilidades detetivescas para “entrar” na mente dos bandidos e deduzir próximos passos ou montar planos para impedi-los.

Mesmo tendo uma construção vagarosa e, bem no início, substancialmente fragmentária, com eventos aparentemente desconexos que Batman só mais adiante consegue fazer convergir, não falta ação na minissérie. Há muita fisicalidade nos confrontos do herói contra as ameaças e muita humanidade também, pois Ellis faz questão de colocar preço em cada novo enfrentamento, com muitos hematomas e sangue por todo o corpo de Wayne que Alfred precisa remendar a cada madrugada, com direito a uísque com pílulas para dormir como parte do tratamento. Não gosto particularmente da forma como o arco do grande vilão por trás de tudo se dá, pois é ao mesmo tempo bombástico e simplista demais, assim como o encerramento da narrativa que, apesar de corajosamente retornar ao começo, perde a oportunidade de trazer Alfred para a equação novamente e mergulhar com vontade na proposta.

A arte de Bryan Hitch consegue traduzir muito bem o texto de Ellis em tudo o que ele exige. Apesar de pessoalmente eu não gostar do uniforme do Batman sem a cueca para fora da calça, como dizem por aí, o super-herói que ele desenha é tremendamente humano e, mesmo no ápice da forma física, não exageradamente musculoso, mantendo um belo porte atlético que ele explora ao máximo durante a pancadaria. Da mesma maneira, os bat-gadgets são funcionais e altamente tecnológicos, mas nunca exagerados demais, talvez com exceção de sua versão para o Tumbler da Trilogia O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan e de assustadores drones multi-uso que o Batman solta pela cidade a certa altura da história.

Outro destaque da arte de Hitch é seu comando absoluto da composição gráfica. Cada quadro, cada página e cada splash page é milimetricamente trabalhado para ter seus espaços preenchidos – ou esvaziados – de maneira orgânica e crível mesmo quando ele quer retratar o caos absoluto. Na medida em que a história progride, saímos do micro e entramos no macro, ou seja, saímos de pequenos casos aparentemente soltos para um plano de proporções gigantescas envolvendo Gotham City (que não é lá muito original, confesso, mas que funciona bem) e o artista sabe estabelecer um ritmo para esse crescendo constante, sempre acompanhando as imposições de seu colega na escrita.

O Túmulo do Batman não foi feito para mudar status quo, para criar oportunidade para novos uniformes, novos gadgets ou grandes novos vilões ou mesmo para oferecer reviravoltas de explodir cabeças. A minissérie é um bem-vindo retorno ao Batman de outros tempos – talvez pré-Frank Miller para ser bem preciso – em que o personagem é bem mais do que alguém capaz de enfrentar deuses e semideuses com o que tem no cinto de utilidades. O Batman de Ellis e Hitch é o Homem Morcego que esquecemos que um dia existiu e, pior, que esquecemos que gostamos demais. Ainda bem que ainda tem gente que lembra dele e volta e meia o traz à tona!

O Túmulo do Batman (The Batman’s Grave – EUA, 2019/20)
Contendo: The Batman’s Grave #1 a 12
Roteiro: Warren Ellis
Arte: Bryan Hitch
Cores: Alex Sinclair
Letras: Richard Starkings
Capas: Bryan Hitch, Alex Sinclair
Editoria: Marie Javins, Andrew Marino
Editora: DC Comics
Data original de publicação: outubro de 2019 a dezembro de 2020
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de publicação no Brasil: janeiro de 2021 (vol. 1, contendo edições #1 a 6)
Páginas: 300

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