Home Diversos Crítica | O Tremor da Suspeita, de Patricia Highsmith

Crítica | O Tremor da Suspeita, de Patricia Highsmith

Um exame da moralidade humana.

por Ritter Fan
189 views

O Tremor da Suspeita, 13º romance de Patricia Highsmith não está entre suas mais lembradas obras, mas o livro definitivamente merece destaque em sua bibliografia repleta de homens perturbados, tensão (e obsessão) sexual e comentários políticos. E é mais curioso ainda notar que a obra de 1969 conversa particularmente bem com nosso tempo presente em que as pessoas se isolam e se entrincheiram atrás de suas posições políticas, sociais e econômicas, sem dar chance a qualquer comentário que não esteja exatamente alinhado com seus pensamentos, sem estabelecer diálogo e, nesse diapasão, deixam para trás oportunidades de crescimento pessoal.

No romance, somos apresentados a Howard Ingham, um escritor americano de Nova York que chega na Tunísia por ter sido contratado para escrever o roteiro de um filme que é “quente” demais – como o clima local – para ser filmado em território americano. Sozinho em um hotel cujos quartos em frente à praia são bangalôs, ele busca inspiração para escrever na medida em que explora o exótico país e aguarda contato dos responsáveis pela produção, contato esse que demora a acontecer e que o leva a aprofundar-se nessa nova ambientação em que passa a viver. Com é muito característico de Highsmith, Ingham é um homem introspectivo que deixou para trás uma mulher por quem ainda é apaixonado e para quem manda cartas constantemente, sem receber resposta, silêncio esse que ele racionaliza das mais diferentes maneiras, sempre de forma favorável a ele e a essa sua “leve” obsessão.

Também muito característico da autora, seu protagonista envolve-se com dois outros homens. O primeiro é Francis J. Adams, um americano nacionalista mais velho que mora no hotel e cujas visões pró-EUA, pró-Guerra do Vietnã e anti qualquer coisa que possa ser remotamente interpretada como antiamericana, conflitam com a de Ingham, ainda que as discordâncias do novayorkino liberal nunca sejam verbalizadas explicitamente, evitando o choque entre eles. O segundo é o pintor dinamarquês Anders Jensen, que é homossexual e vive em um apartamento paupérrimo na cidade aparentemente de bem com a vida, adaptado ao clima e aos hábitos da população árabe. Ingham encontra em Jensen o mais próximo de uma conexão genuína, irmã, que Highsmith constrói muito hábil e sutilmente como uma relação homossexual que nunca realmente chega às vias de fato.

Entre sua suposta namorada do outro lado do Atlântico, o extremista de direita Adams e o delicado artista Jensen, com o conflito no Vietnã e a Guerra dos Seis Dias entre Israel e Egito como panos de fundo geopolíticos, Patricia Highsmith tece sua teia que discute eminentemente a moralidade das pessoas, usando uma invasão no bangalô de Ingham e o subsequente assassinato – inadvertidamente e em legítima defesa, isso fica claro – do invasor pelo protagonista, como estopim para interessantes e cada vez mais tensas discussões que acontecem tanto na mente do novayorkino que começa a relativizar seu silêncio em relação ao acontecido e a equalizar com o que a população local faria, como com Adams que passa a desconfiar de algo e com Jensen que basicamente não liga para o ocorrido, o que funciona como uma espécie de conforto moral para Ingham.

Não se trata de um romance guiado pela ação, mas sim pela angústia de uma solidão quase exílio (ou autoexílio), por uma mente trabalhando sempre febrilmente quando pouco se tem para efetivamente fazer além de pensar em si e em trivialidades, sem tomar posições sobre praticamente nada. Trata-se, também, de uma visão bastante clara e aguda da xenofobia, racismo, intolerância, militarismo e outros aspectos que marcariam com ainda mais força os EUA a partir da década de 60, com opiniões adversas inconciliáveis e a radicalização de posições alcançando-nos até os dias atuais, algo que é particularmente irônico considerando que a própria Patricia Highsmith partilhava de muitos desses preconceitos. Talvez não seja a autora vendo o caminho que seu país de origem enveredaria, mas, também, um exame consciente de sua própria posição, exame esse, porém, que, assim como no caso dos EUA, não a levaria a superar suas visões radicais, o que a torna alguém com autocrítica, mas sem nenhuma intenção de mudar. Ou, claro, livros como O Tremor da Suspeita sejam justamente sua maneira de exprimir sua intenção de enxergar o mundo de outra forma, mas, ao mesmo tempo, como Ingham, sua conformidade com o que vê em si mesma.

O Tremor da Suspeita (The Tremor of Forgery – EUA, 1969)
Autoria: Patricia Highsmith
Editora original: Doubleday & Co.
Data original de publicação: janeiro de 1969
Editora no Brasil: Editora Benvirá
Data de publicação no Brasil: 2013
Páginas: 312

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais