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Crítica | O Telefone Preto, de Joe Hill

Pode deixar tocando...

por Ritter Fan
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Joe Hill, filho (ou clone, ainda tenho dúvidas) de Stephen King, começou sua carreira literária como muitos autores, ou seja, escrevendo contos que foram publicados em uma variedade de veículos, notadamente revistas especializadas. Seu primeiro livro propriamente dito, aliás, foi Fantasmas do Século XX, justamente uma coletânea de 18 desses contos, e que foi publicado originalmente na Inglaterra, em 2005. Foi somente dois anos depois que ele lançou seu primeiro romance propriamente dito, A Estrada da Noite (Heart-Shaped Box) e, em seguida, abraçou também os quadrinhos com a fascinante HQ Locke & Key, que ganhou ótima adaptação pelo Netflix.

Um dos contos de sua primeira coletânea – e que ganhou adaptação cinematográfica por Scott Derickson – é O Telefone Preto, publicado originalmente no número 39 da revista britânica The 3rd Alternative, especializada em ficção científica. Trata-se de uma história de espaço confinado em que Finney, um garoto de 13 anos, é atraído e sequestrado por um serial killer de proporções avantajadas e, em seguida, é praticamente abandonado sem comida e sem água no porão de uma casa. Lá, o jovem encontra o telefone do título que não está funcionando, mas que, misteriosamente, toca algumas vezes. Quem está do outro lado da linha? Ah, isso eu não direi para manter a crítica livre de spoilers, mas basta dizer que a dedução é fácil e imediata.

Mas essa previsibilidade não é nem de longe o problema do conto. Ao contrário, dentro da premissa e atmosfera criados, faz bastante sentido. O problema é que o conto falha em praticamente todos os aspectos. Hill não consegue fazer de Finney um personagem que estabelece empatia com o leitor por ele praticamente não ter nenhum tipo de construção, sendo um adolescente genérico em uma situação terrível (mas consideravelmente lugar-comum em filmes e livros, temos que convir). Da mesma forma, o autor não faz do sequestrador alguém particularmente ameaçador, perturbado ou que de alguma forma tenha sua presença efetivamente sentida ao longo das breves 30 páginas do conto.

O próprio imbróglio do menino preso no porão, apesar de angustiante pela situação em si (afinal, ser preso em um porão por alguém que você não conhece é angustiante e ponto final), é tão completamente desanimado que não há tensão para além da que está “embutida” na premissa. Ou seja, não há tensão, não há medo, não há realmente nada de especial no cativeiro de Finney que o destaque de tantos outros que vemos por aí tanto na ficção como, infelizmente, na vida real. É como ler algo que, mesmo considerando o tal telefone preto, não tem características capazes de fazer o leitor realmente ficar com a história na mente depois que vira a última página.

Reconheço, porém, que Joe Hill tem bom domínio das palavras e constrói uma narrativa que consegue muito bem transitar entre o ponto de vista direto do protagonista e seus devaneios causados pela fome, dando impressão de que o autor muda de personagem sem realmente, no final das contas, mudar de verdade. Mas isso não é suficiente para fazer o conto render os dividendos que deveria render. Nem mesmo é possível vislumbrar uma “grande ideia” que pecou no desenvolvimento, ou um personagem interessante que só precisava de um pouco mais de cuidado em sua construção. Não há nada disso por trás da leitura, o que é inegavelmente frustrante e seria ainda mais se o conto fosse um daqueles que se aproxima do tamanho de novelas. Esse telefone preto pode até tocar, mas não dá vontade alguma de atender.

O Telefone Preto (The Black Phone – Reino Unido, 2004)
Autor: Joe Hill
Editora original: TTA Press (The 3rd Alternative #39 – 2004), PS Publishing (coletânea 20th Century Ghosts – 2005)
Data original de publicação: 2004
Editora no Brasil: Editora Arqueiro (Fantasmas do Século XX), HarperCollins (coletânea O Telefone Preto & Outras Histórias)
Data de publicação no Brasil: 15 de junho de 2009 (Arqueiro), 15 de maio de 2022 (HarperCollins)
Tradução: Ulisses Teixeira
Páginas: 30

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