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Crítica | O Telefone do Sr. Harrigan

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por Ritter Fan
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Mais um filme baseado em obra de Stephen King, desta vez no conto homônimo publicado na compilação Com Sangue, de 2020, O Telefone do Sr. Harrigan, roteirizado e dirigido por John Lee Hancock, por vezes parece publicidade de iPhone, outras vezes uma história de crescimento e amadurecimento, aqui e ali uma narrativa que ensaia uma série de críticas ao vício em tecnologia, ao distanciamento causado por ela, e nossa incapacidade inata de nos desfazer das coisas, e, por fim, esboços distantes e pálidos do que talvez, com esforço, possa ser chamado de filme de terror. Há elementos sobrenaturais para reiterar esse último aspecto, claro, pois a premissa segue de longe a linha de O Telefone Preto, de Joe Hill, filho de King, sobre um telefone que serve de ponte para se falar com mortos, mas o longa parece não fazer esforço para ser nada muito bom, trafegando por um monte de propostas e situações sem ânimo, quase que completamente sem vida.

Os destaques da obra, creio, repousam primeiro na relação entre o bilionário recluso e de poucas palavras Sr. Harrigan, interpretado por um fragilizado Donald Sutherland com o jovem Craig (Jaeden Martell) que ele contratara cinco anos antes (com o mesmo personagem vivido pelo mais jovem Colin O’Brien) como seu “leitor de livros” particular. Com um pai entristecido pela morte da mãe há alguns anos, Craig improvavelmente aproxima-se do Sr. Harrigan para além da relação para qual ele foi contratada, passando a realmente gostar daquela “fuga” a que ele se entrega religiosamente três vezes por semana, com o bilionário correspondendo de seu próprio jeito, cada vez mais orgulhoso do menino, algo que Sutherland constrói muito bem exclusivamente sentado em sua cadeira de costas para um jardim de inverno na vasta biblioteca de sua mansão. Por incrível que pareça, tudo funciona muito bem com esse cotidiano em termos fílmicos, inclusive, e esse é o segundo destaque, o belo cenário gótico que é o casarão do Sr. Harrigan, ao mesmo tempo funcionando como um elemento intimidador e embelezador.

Quando o primeiro iPhone é lançado e Craig vai para o Ensino Médio (High School), ele usa parte do dinheiro que ganhara de uma raspadinha (o único presente que o Sr. Harrigan lhe dá ao longo dos anos) para adquirir o smartphone de maneira a sentir-se “parte” desse novo mundo. Isso acontece somente já com o filme bastante avançado, já que Hancock não tem nenhuma pressa em construir a conexão entre Craig e o Sr. Harrigan, o que é bom pela relação em sim, mas ruim por empurrar a ação – se é que podemos chamar assim – para uma minutagem acanhada do final, quando o lado sobrenatural de comunicação com os mortos via telefone passa a tomar conta da história e das escolhas do protagonista.

Obviamente, é depois do advento do iPhone que as críticas mais severas ao vício instantâneo causado pela maquininha ganha saliência, algo particularmente claro no “namoro” de Craig com uma menina de sua escola, que senta à sua mesa, mas com quem ele se comunica somente via mensagens de texto ou pela forma como o Sr. Harrigan reage à modernidade, percebe seus malefícios de imediato (prevendo o futuro – o que é fácil, já que o conto é de 2020) e, mesmo assim, não resiste ao canto da sereia. No entanto, essas questões todas que sem dúvida são relevantes – e cada vez mais, tenho para mim – acabam sendo apenas jogadas no filme de qualquer jeito, como em conversas de bar em que alguém fala algo razoavelmente inteligente que ganha destaque por dois ou três minutos, somente para o assunto ser trocado e, ato contínuo, esquecido.

Mesmo o lado sobrenatural do longa é meia boca, construído unicamente em cima de clichês marretados na narrativa e que são telegrafados de maneira até cansativa, sem nenhum tipo de construção mais sutil do que um sinal em néon vermelho apontando para a próxima pessoa a morrer. O próprio Craig, sem o Sr. Harrigan, perde quase que completamente sua força atrativa, passando a ser um adolescente e, depois, um jovem adulto, com dramas meteóricos que não são capazes de criar empatia ou interesse por parte do espectador. É como se Hancock, ao dirigir Martell, tenha pedido ao ator para imitar um autômato sem vida. E isso nem seria o problema – já que Joe Tippett, que faz o pai de Craig, é basicamente isso o filme todo em razão de sua dor e tristeza pela perda da esposa e mesmo assim acerta o tom – se o jovem não tivesse levado a instrução fictícia ao pé da letra. Digo fictícia, pois a grande verdade é que Martell não tem estofo dramático para segurar um filme e, quando o grande Donald Sutherland sai do palco, isso fica muito evidente, especialmente considerando que o roteiro não tem muito a oferecer.

E, com isso, O Telefone do Sr. Harrigan não consegue ser verdadeiramente nada do que tenta ser – talvez como uma peça publicitária de 104 minutos do iPhone ele até funcione bem -, revelando que talvez só houvesse material ali para um curta metragem, algo que Stephen King claramente percebeu ao escrever um conto e não um romance completo. Mais um filme a ser arquivado na gaveta das obras que, à exceção das sequências com Sutherland, não passam o tempo, mas sim gastam o valioso tempo do espectador.

O Telefone do Sr. Harrigan (Mr. Harrigan’s Phone – EUA, 05 de outubro de 2022)
Direção: John Lee Hancock
Roteiro: John Lee Hancock (baseado em conto de Stephen King)
Elenco: Donald Sutherland, Jaeden Martell, Colin O’Brien, Joe Tippett, Kirby Howell-Baptiste, Cyrus Arnold, Thomas Francis Murphy, Peggy J. Scott
Duração: 104 min.

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