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Crítica | O Sono Eterno, de Raymond Chandler

por Luiz Santiago
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O Sono Eterno foi o primeiro livro das aventuras do detetive Philip Marlowe, criação muitíssimo popular do escritor americano Raymond Chandler. Já é bastante popular o fato de que o escritor era um verdadeiro “canibal de sua própria obra”, ou seja, muitos de seus romances são versões expandidas e essencialmente modificadas de contos que ele publicou antes, e no presente caso, as principais histórias ‘canibalizadas’ por ele são Killer in the Rain (1935) e The Curtain (1936).

O caráter de retrabalhar coisas que já tinha escrito, imprime à obra de Chandler certa complexidade na condução narrativa, às vezes deixando o leitor confuso no meio de tantos fios que surgem e acabam sendo ligados à investigação principal. Aqui em O Sono Eterno começamos com tranquilidade, vendo Philip Marlowe narrar a sua ida até a casa do General Sternwood, que o contrata para resolver um caso de chantagem. Um livreiro (que na verdade trabalha com pornografia) chamado Arthur Geiger está chantageando Carmen, a mais nova e problemática filha do General. Notem que aí temos a primeira linha de ação e sabemos claramente qual será o trabalho do detetive. Mas o autor não para por aí.

Na mesma visita, Marlowe conhece Vivian, a filha mais velha do militar, que pergunta se o detetive foi contratado para encontrar Rusty Regan, seu marido desaparecido e alguém que o General gostava bastante. Então uma nova camada aparece, só que dessa vez como curiosidade, afinal, encontrar Rusty não era a missão para a qual o protagonista foi contratado. Conseguem perceber como o autor manipula a inserção de novas linhas narrativas e, com elas, novos personagens? Isso se dá ao longo de todo o livro, de modo que a aventura, simples do começo, ganha a companhia de assassinatos e diversas outras ações do mundo do crime, o que tira um pouco a força do enredo, mas ao mesmo tempo — e para mim, surpreendentemente — não empobrece os personagens.

Eu gostei muito da forma como Chandler criou a atmosfera da cidade e, através dela, deu suporte para a exploração de seus personagens. Descrição de prédios e outros espaços visitados — especialmente na periferia; descrição do tempo (noites e dias chuvosos formam alguns dos momentos mais interessantes do livro) e do figurino dos indivíduos criam uma perfeita imagem de filme noir na cabeça do leitor, e essa imagem vai ganhando mais detalhes, fortalecendo as características dos personagens. Mesmo aqueles que passam rapidamente pelo livro recebem uma atenção quase dramatúrgica de Raymond Chandler, de modo que em determinadas situações (como as de Canino e Agnes, por exemplo), uma breve citação a uma caraterística física ou de vestimenta do personagem já nos liga imediatamente à pessoa.

Eu tenho reservas em relação à condução da trama que envolve Rusty. Num momento em que as coisas haviam se afrouxado e o leitor esperava pelo final da trama, uma outra volta de eventos aparece, seguida de uma nova explicação. Não acho nenhum desses momentos isoladamente ruins (longe disso), mas no conjunto da obra, tornam-se o prolongamento de um falso final, algo que raramente traz algo positivo para um livro.

O Sono Eterno é um começo forte, violento e também corajoso para as aventuras do detetive Philip Marlowe. Corajoso porque, para um livro de 1939, o enredo traz coisas como pornografia e um casal de homossexuais tratados com a naturalidade de um romance criminal, e isso chama a atenção porque não estamos falando de uma obra underground! Uma maneira dura e sem esperança de mostrar a vida de pessoas das mais diferentes classes sociais mergulhadas num lamaçal de vícios, desejos e criminalidade.

O Sono Eterno (The Big Sleep) — EUA, 1939
Autor: Raymond Chandler
Editora original: Alfred A. Knopf
Edição lida para esta crítica: Alfaguara, 2015
Tradução: Braulio Tavares
256 páginas

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