Home LiteraturaAcadêmico/Jornalístico Crítica | O Sombra, de Alan Moore

Crítica | O Sombra, de Alan Moore

Um jovem rabugento.

por Luiz Santiago
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Este artigo de duas páginas sobre O Sombra (The Shadow) foi escrito por Alan Moore aos 17 anos, nas páginas do fanzine Seminar, em 1970. É um artigo curto, mas muito instrutivo, onde o jovem autor expõe muitas de suas opiniões sobre o personagem pulp, sobre o andamento da indústria de quadrinhos no Ocidente (mais especificamente, os quadrinhos de super-heróis) e os aspectos dramáticos dessas duas searas que ele mais admirava e achava que deveria ser a tônica dos roteiros. Exceto pelas piadinhas no meio do texto, é difícil acreditar que essa abordagem foi feita por alguém tão jovem, até porque existe um lado extremamente rabugento, amargo e exigente que normalmente se espera vir de indivíduos mais velhos.

O texto começa dando destaque a personagens que o autor acredita destacar-se em qualidade, se comparados aos super-heróis de colante. É verdade que existe um pouquinho de arrogância/superioridade de um nerd jovem nessa linha de raciocínio, mas à parte o elemento puramente comportamental ou até moral dessa toada, sabemos exatamente o que o mago em formação queria dizer e temos que admitir que ele tem razão, considerando o recorte que estava fazendo. E não é como se desprezasse o quadrinho simples e convencional, mas ele faz questão de retirar deste a importância exagerada e quase religiosa que ganhou, redirecionando o olhar para criações que, talvez, pudessem trazer mais substância, profundidade e possibilidades de trabalho em contextos narrativos mais criativos e socialmente relevantes, como Besouro Verde (1936), Sandman (1938), The Face (1940), Spirit (1940), Mr. A. (1963) e O Questão (1967). Claro que, no fim da lista, já puxando a brasa para a presente abordagem, Moore inclui O Sombra, e a partir desse contexto, entendemos onde ele quer chegar.

Achei engraçado o fato de o autor voltar para 5 de outubro de 1915, com a estreia da Detective Story Magazine, para fazer a linha que levará o leitor ao Sombra, demonstrando uma rigorosa pesquisa histórica e um bom domínio da cronologia de publicações, versões cinematográficas e comparações temáticas do herói com outros personagens. É, ao mesmo tempo, um caminho didático (no bom sentido do termo) e pessoal, inclusive com uma ácida crítica à capa racista da primeira edição da The Shadow (abril de 1931), trazendo um homem chinês projetando sua própria sombra assustadora na parede. Diante disso, Moore explora uma das mais preciosas armas do Sombra em construção de enredos, que é o mistério em torno de sua própria figura e de seu Universo. Ele faz comparações interessantes de um bom trabalho desse mistério fora do pulp, citando Batman (1939), as primeiras edições do Homem-Aranha (1962) e Rastejante (1968), mas afirmando que nenhum desses casos chega perto da dinâmica obtida pelo personagem de Walter B. Gibson.

O velho-jovem Alan Moore termina a sua tese alfinetando (com razão!) a imbecilização dos vilões do Sombra e lamentando que a perda de popularidade do personagem fez com que a editora e os editores assumissem posturas cada vez mais superficiais e ridiculamente mirabolantes para suas histórias. Há um tom nostálgico e também esperançoso no final, com a expectativa de que, em algum momento, esse justiceiro narigudo retorne às bancas em toda sua glória. Como disse no começo da crítica, é impressionante que um texto como este tom tenha sido escrito por alguém tão jovem. Mas isso nos deixa cada vez mais certos de que o processo de formação do escritor que tão bem conhecemos e que tanto admiramos, começou bem cedo; e a casca de sua chatice e rabugice com os super-heróis era algo que ele já tinha consigo, e que só foi se intensificando com o passar dos anos.

O Sombra (The Shadow) — Reino Unido, 1970
Publicação original: Seminar #2 (fanzine)
Autor: Alan Moore
2 páginas

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