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Crítica | O Sol das Mariposas

Notas do ocaso de um reino pacato.

por Frederico Franco
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O Sol das Mariposas se apresenta inicialmente como um corriqueiro drama de costumes. Em meio a mudanças referentes ao agronegócio no norte do Paraná, Marta, dona de um pequeno sítio, se vê tentando resistir às mudanças sociais e econômicas apresentadas durante os anos 1970. Apoiada principalmente por Juliana, uma prestativa empregada, a fazendeira se encontra cada vez mais impotente frente ao futuro que lhe aguarda logo adiante. Fábio Allon, durante grande parte do filme, dá a entender que seu filme vem a se tratar de um drama apoiado inteiramente a partir das dinâmicas sócio-econômicas que invadem o cotidiano daqueles que trabalham na fazenda. O letreiro inicial, contando brevemente o avanço do agronegócio no Paraná setentista, conduz o espectador a acreditar que o filme, na verdade, é um recorte histórico inteiramente baseado em tais processos e mudanças trazidos pelo contexto político maior.

A atmosfera construída pelo diretor, desde seu princípio, é marcada por uma forte letargia de seus personagens em relação a sua realidade. Os primeiros instantes da obra são ociosos: acompanhamos minuciosamente os protagonistas trabalhando com a fazenda, dialogando brevemente sobre os problemas a serem trazidos pela transição do setor rural e se protegendo de um frio que assola a região. O ócio também surge em forma de desilusão de Marta relativa às mudanças que se apresentam logo adiante – como a crescente dificuldade com a plantação do café, a morte de um importante cavalo da fazenda e a brutal dificuldade financeira que a faz cogitar encerrar as atividades do sítio. Toda essa construção de universo é apresentada por meio de um forte realismo que conserva o ritmo lento de um bucólico cotidiano de uma simplória fazenda que parece existir apenas por um fio. Planos longos, arrastados, funcionando quase como planos cena, com uma montagem pouco invasiva, são algumas das características mais marcantes da encenação proposta por Fábio Allon.

A grande ideia governante da primeira parte de O Sol das Mariposas talvez seja explorar, a partir da figura de Marta, uma espécie de receio frente ao futuro – receio esse que, em dado momento, transforma-se em um pavor. E esse medo, mais adiante, passa a se tornar um elemento que paralisa por completo a fazendeira. Ela passa a não sair do quarto, deixa de participar das tarefas cotidianas da fazenda e segue em busca de um total isolamento daqueles que o cercam. Mara abraça por completo um comportamento solitário, negando diretamente possíveis conexões com o restante dos moradores do sítio. Existe, no desenvolvimento da protagonista, uma forma de desespero silencioso, marcado principalmente por um profundo distanciamento de duas vias: Marta em relação aos outros e em relação ao espectador. A personagem não permite nem à câmera qualquer tipo de aproximação ou dinâmica de intimidade. Ela está se afogando em sua própria apatia, sem nenhuma perspectiva de ser salva ou reverter a situação.

Na mesma medida em que tenta se esconder do futuro, Marta também busca deixar de lado um passado que, em certos momentos, retorna para lhe atordoar. Trata-se da memória distante de um ex-marido que, há dois anos, a abandonou e deixou de lado sua fazenda. Em um gesto categoricamente expressivo, vemos a protagonista recuperar um antigo casaco de seu esposo para atear fogo nele, simbolizando, aparentemente, o fim de uma tortuosa etapa de sua vida. Por um lado, o desprendimento com a memória dolorida é realizado, mas o presente ainda não é exatamente confortável. A letargia continua acompanhando os personagens, principalmente Marta que, cada vez mais, se vê tendo que lidar com o iminente ocaso de seu pequeno reino em forma de sítio de plantio de café.

Passada a metade do filme, ocorre uma significativa guinada tanto em ritmo quanto em dramaticidade. De modo repentino, o marido de Marta retorna à fazenda, representando um novo baque na protagonista, já acostumada com sua ausência. Sua apresentação logo desperta antipatia no espectador que vê na primeira dinâmica entre os personagens uma situação de abuso sexual. Marta está em completo frangalhos. A partir daqui, O Sol das Mariposas se torna um filme de terror extremamente realista. A relação do horror com o realismo e essa drástica mudança rítmica parece similar àquela em O Barulho da Noite, de Eva Pereira: um aparente drama de costumes que, após a entrada de um novo elemento masculino, transforma-se num terror demasiadamente próximo de uma realidade social. Entretanto, quanto mais evidente essa transição, mais fragilidade são expostas, principalmente no que diz respeito ao trabalho de atuação dos protagonistas e, principalmente, do antagonista. Em cenas com maior carga dramática a relação dos personagens parece engessada, extremamente ensaiada, indo para o lado oposto do regime realista imposto pela câmera de Fábio Allon.

O final apresentado pelo filme parece demasiado abrupto, um tanto quanto desajeitado. O diretor tenta abraçar um ambiguidade de um final sem resolução aparente, mas acaba apenas fugindo de possíveis conflitos dramáticos que, dada a fragilidade da atuação, poderiam vir a romper com atmosfera baseada no realismo construído ao longo da obra.

O Sol das Mariposas- Brasil, 2024
Direção: Fábio Allon
Roteiro: Fábio Allon, Cláudio Lopes Borio
Elenco: Anidria Stadler, Camila Jorge, Nautilio Portela
Duração: 105 min.

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