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Crítica | O Simpatizante

Entre dois mundos.

por Kevin Rick
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O Simpatizante é uma minissérie com um pedigree invejável. A produção da HBO é baseada no livro homônimo de Viet Thanh Nguyen, vencedor do Pullitzer, em que somos apresentados à história de um jovem soldado vietnamita conhecido como Capitão (Hoa Xuande), que durante a Guerra do Vietnã trabalhou como um contraespião para o partido comunista, navegando entre as diferentes ideologias do Norte e do Sul vietnamita, bem como espionando para os vietcongues em seu exílio nos EUA. A adaptação é encabeçada pelo fantástico Chan-wook Park (Oldboy, A Criada), além de contar com a participação do diretor brasileiro Fernando Meirelles e com a atuação de Robert Downey Jr. em vários papéis coadjuvantes, no que podemos chamar de seu próprio Dr. Fantástico. Infelizmente, porém, a obra não alcança seu potencial.

O começo é extremamente promissor. Somos rapidamente introduzidos a uma perspectiva diferente da Guerra do Vietnã, considerando que Hollywood normalmente aborda o evento histórico através das lentes de soldados americanos. O protagonista, além de vietnamita, é mestiço, tem laços com a cultura estadunidense e representa um enigma ideológico entre suas convicções e lealdades que navegam entre o capitalismo e o comunismo – daí a ironia do título. A composição, caracterização e personalidade do personagem são representativas dos principais temas da produção, como problemas de identidade, apropriação cultural e doutrinação.

Os três primeiros episódios são dirigidos por Chan-wook Park, que faz um trabalho extremamente estilizado, principalmente nas locações da Tailândia (representando o Vietnã), em que as movimentações de câmera são ágeis para evidenciar o caos, o suor e a tensão militar do ambiente, além de contar com uma narrativa de muitos cortes e com muita velocidade entre diferentes linhas do tempo (sempre acompanhamos o protagonista no futuro narrando os acontecimentos do passado, com a história indo e voltando constantemente). Há um certo nível de ironia visual também, principalmente na predileção do diretor por momentos de humor corporal e cenas espelhadas, algo que é um retrato do texto satírico da produção, cheio de meta-comentários e personagens cartunescos, com destaque para o trabalho de Robert Downey Jr. incorporando diferentes indivíduos peculiares e majoritariamente cômicos.

Os episódios dirigidos por Fernando Meirelles e Marc Munden são menos cinéticos, até porque estão mais centrados nos EUA, mas o senso frenético da narrativa é constante, com alternações constantes entre passado e presente, muitas tramas paralelas e um ritmo com poucas pausas. Por mais engajante que essa abordagem possa ser no início, a série gradualmente se torna cansativa ao não unir seus diversos núcleos. Em um momento estamos assistindo uma conspiração geopolítica de espionagem e no outro estamos acompanhando uma filmagem de cinema que é praticamente uma paródia. É difícil de acompanhar a história e extrair algum senso de tudo que está acontecendo, algo que é evidenciado pelo número desnecessário dos personagens de Downey: um agente da CIA, um senador, um professor universitário, um diretor de cinema, um artista plástico e assim em diante.

O Simpatizante é excessivamente complicado e confuso, ao passo que, por mais intrigante que a premissa seja ou por mais cativante que a equipe criativa possa ser, o resultado é desordenado demais para se tornar uma produção excelente. Ainda é uma minissérie conceitualmente interessante, trazendo uma perspectiva diferente para um evento histórico bem conhecido. É sempre bom ver o imperialismo americano recebendo umas cutucadas, mas talvez a adaptação não encontrou o equilíbrio entre sátira e espionagem que o livro (imagino) captura. A sensação final é de um produto envolvente em sua meditação moralmente ambígua e ideologicamente conflituosa pelo qual o personagem passa, seja no contexto da guerra, da contraespionagem, da sedução do capitalismo, do cinema, entre outros, mas que não tem uma condução narrativa metódica ou organizada o suficiente para desenvolver sua pluralidade de ideias e críticas. No fim, porém, a reflexão densa sobre o sacrifício do protagonista e os espólios da guerra termina a jornada em uma nota satisfatoriamente agridoce.

O Simpatizante (The Sympathizer) | EUA, Canadá, 2024
Criação:
Chan-wook Park, Don McKellar (baseado no livro homônimo de Viet Thanh Nguyen)
Direção: Chan-wook Park, Fernando Meirelles, Marc Munden
Roteiro: Chan-wook Park, Don McKellar, Naomi Iizuka, Mark Richard, Maegan Houang, Anchuli Felicia King
Elenco: Hoa Xuande, Robert Downey Jr., Toan Le, Fred Nguyen Khan, Duy Nguyễn, Vy Le, Ky Duyen, Phanxinê, Kieu Chinh, Alan Trong, Sandra Oh
Duração: 07 episódios de aprox. 60 min. cada

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