Sexo, arte, família, libido e distintas notas de suspense são características centrais do cinema do diretor turco Ferzan Ozpetek, cujo trabalho mais conhecido é, até o lançamento deste O Segredo de Nápoles (2017), O Primeiro que Disse (2010). Unindo todos os pontos recorrentes de sua filmografia, o diretor nos entrega aqui um mistério artístico que, no todo, nos faz lembrar de uma improvável mistura de Pedro Almodóvar com Eugène Green, sempre marcando pé na nossa percepção da realidade, dos símbolos, daquilo que a gente vê na tela. E sim, essa é a fronteira definitiva entre o “ame” e o “odeie” a película.
Em uma festa onde uma peça mítica é apresentada (aliás, essa é a chave da porta metalinguística no filme), Adriana (Giovanna Mezzogiorno) conhece Andrea (Alessandro Borghi) e ambos saem para passar o que deverá ser a noite da vida da mulher e “mais uma” na vida do homem. No entanto, eles marcam de se encontrar novamente. E é aí que acontece algo que irá guiar o filme inteiro. Se a união da arte com o sexo e o suspense era só uma ferramenta para acionar outra coisa, o espectador entende que esta, na verdade será a principal arma do diretor e co-roteirista ao construir a jornada dos personagens diante da impossibilidade mitológica — como dito na peça-chave de abertura –, numa cidade moderna rodeada por bela e antiga arquitetura, esculturas e… crimes.
O fator “ame ou odeie” aqui é pelo óbvio: o filme tem uma cifra simbólica que normalmente polariza opiniões na raiz do que podem ou não significar. A nudez aqui, para uns, será um excelente trabalho de arte entre corpos reais e os êxtases em mármore, tela e tinta. Já para outros, será uma exposição gratuita e sem sentido. O mesmo pode acontecer em relação aos mistérios dentro dos mistérios e a maneira insistente de o diretor ligar pessoas a construções e obras de arte específicas. É evidente que esse trabalho de direção é bastante rigoroso, condizente com o roteiro e recebe um desenho de produção aplaudível, especialmente no recorte daquilo que mostra ou não. Todavia, caímos no mesmo lugar polarizado e a obra continuará tendo distintos significados e classificações dependendo do olhar e valor que o espectador dará a essas coisas.
Na primeira parte, a força do roteiro e a própria direção acabam tendo maior destaque. O filme é mais libidinoso e existem belíssimas composições de quadros — momento onde personagens assumem suas máscaras teatrais ou destinos pictóricos e, daí em diante, são condicionados a desenvolvê-los. Nesse caminho, assim como em qualquer arte, quando mais a gente olha, mais coisas descobrimos. Significados, detalhes, pistas não tão escondidas assim, metáforas… E mesmo que uma parcela disso seja subjetivo, Ozpetek não deixa toda a carga de significado para o espectador, como fazem muitos diretores com filmes de caráter semelhante. O Segredo de Nápoles se justifica e se sustenta em seus mistérios, dando todo o material necessário para o público montar, na ordem que melhor lhe convier, o quebra-cabeças da fita.
Da tragédia do nascimento à tragédia da morte, observamos como as máscaras vão sendo trocadas e como os personagens se tornam vívidos e fugazes dependendo de quem olha para eles; de que olho que os vê. As emoções à flor da pele, a investigação, o crime e o tormento psíquico que ele engendra abre caminhos diferentes de entendimento da obra, principalmente depois da última cena. Enquanto crônica de uma noite de paixão verdadeira, a película funciona quase muito bem, caindo em alguns pontos pela interpretação pouco expressiva de Giovanna Mezzogiorno, que só combina com um tipo específico (e solitário) de cena. As cenas familiares também não funcionam por completo, mas em sequências como as da conversa da tia Adele com Adriana ou a cena da briga que se liga ao início da fita, temos uma direção exemplar.
Filme sobre percepções do prazer, da existência e da arte, O Segredo de Nápoles mescla gêneros e chega a um ambiente que não é para todos. Vai de cada um querer descortinar os véus da cidade e sentir ou ver aquilo que é real, mito ou só imaginação.
O Segredo de Nápoles (Napoli velata) — Itália, 2017
Direção: Ferzan Ozpetek
Roteiro: Ferzan Ozpetek, Gianni Romoli, Valia Santella
Elenco: Giovanna Mezzogiorno, Alessandro Borghi, Anna Bonaiuto, Peppe Barra, Biagio Forestieri, Luisa Ranieri, Maria Pia Calzone, Carmine Recano, Lina Sastri, Isabella Ferrari, Loredana Cannata, Angela Pagano, Maria Luisa Santella, Antonio Braucci, Rosaria D’Urso
Duração: 113 min.