Contos Fluminenses (1870) foi a primeira coletânea de contos publicada por Machado de Assis. O tema central do livro é o Rio de Janeiro durante o Segundo Reinado, e as tramas desenvolvidas pelo autor nesta obra tinham por objetivo alcançar um público específico, os leitores do Jornal das Famílias, do editor B. L. Garnier, onde o autor publicou seis dos sete contos que formam o volume: Miss Dollar, Luís Soares, A Mulher de Preto, O Segredo de Augusta, Confissões de Uma Viúva Moça, Linha Reta e Linha Curva e Frei Simão. No presente compilado, trago análises para duas histórias desse livro.
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O Segredo de Augusta
Mantendo a tônica que pode ser vista nas três primeiras histórias de Contos Fluminenses, Machado de Assis realiza neste O Segredo de Augusta um exercício de percepção do status social pelos personagens, todos burgueses, dotados de riqueza, títulos e uma reputação — hierárquica — a zelar. O curioso é que o autor não parte direto para o grande problema da história, antes, nos faz acompanhar a verdadeira vagabundagem (o ócio da riqueza) do Sr. Vasconcelos, acostumado a grandes festas e bebedeiras, chegando em casa de madrugada, acordando tarde e emendando o dia com encontros triviais e preparação para o próximo jantar ou festança no bar.
Também nesse início, é possível perceber um interessante contraste entre Vasconcelos e a esposa Augusta. A filha é citada, recebe uma atenção especial numa comparação de sua beleza com a impressionante beleza e juventude da mãe, mas o leitor tende a abandonar essa exposição como sendo apenas um capricho de contexto. Ledo engano. É justamente nesse ponto que Machado abre as portas para que entendamos o peso que é para a senhora que dá título ao conto ser “rebaixada” ao “deteriorado” status de avó, uma franca possibilidade de lhe acontecer se sua filha aceitar casar-se logo.
É na relação entre parecer ter, ter de fato e perder um determinado título ou máscara frente à sociedade que os personagens dessa história orbitam, e embora Augusta seja a protagonista, seu medo de perder um título (o de mãe) e ganhar outro (o de avó) é apenas um dos temores sociais, psicológicos e comportamentais que o autor desenvolve aqui. Perda e ganho de “titulações”, marcas ou posições sociais como trabalho e ócio; riqueza e pobreza; e também pessoais, como amor e ódio e casamento e celibato fazem parte do ciclo, tornando esses personagens vítimas e algozes do poder que as aparências da vida em comunidade têm sobre as pessoas e o que alguns estão dispostos a fazer para impedir que caiam de posição em qualquer um desses níveis. Não é apenas o ponto máximo do orgulho e da individualidade, é a própria crise de empatia e humanidade em jogo que Machado explora, tendo as figuras do pai e da mãe como âncoras.
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Confissões de uma Viúva Moça
Notável por trazer uma narradora feminina, algo não frequente na literatura de Machado de Assis, Confissões de Uma Viúva Moça talvez seja a produção de Contos Fluminenses mais marcada pelo caráter moral do Jornal das Famílias, onde foi publicada entre abril e junho de 1865. E sim, exponho isso de forma negativa aqui, já que em dado momento a malfadada Eugênia vira uma simples sofredora dividida entre as tentações do adultério (visto por ela com todas as culpas sociais e cristãs mais um paradoxal recato) e as insatisfações que o casamento lhe traz.
Por um lado, é curioso ver Machado colocando uma parcela de culpa no homem. O distraído, não ativo sexualmente e pouco afetuoso esposo que vive praticamente como um amigo da mulher. As confissões, no entanto, não saem desse patamar novelístico e todo o conto ronda em torno dos tormentos íntimos de Eugênia, sua culpa por se permitir flertar com o fascinante e belo Emílio e seu ressentimento cada vez maior com o marido, por não fazer alguma coisa que a tivesse dissuadido desse contato desde o início — um toque irônico do Machado, que já no começo da história, ele faz questão de narrar um evento onde a vontade de Eugênia se sobrepõe à vontade do marido, e ambos vão ao Teatro Lírico. É aí que o primeiro encontro com o jovem paquerador de casadas se dá.
Nesse caso, a forma narrativa acabou sendo mais instigante que a própria história, pelo diálogo metalinguístico que alude. Eugênia conta essa história por cartas para a amiga Carlota, e diz que a dinâmica por ela utilizada é a de folhetim, na qual toda semana um capítulo de seus infortúnios sentimentais seriam explicitados, algo bem parecido com o que Machado estava fazendo com o seu público leitor do jornal. O início do dramalhão aponta para coisas bem mais interessantes do que o seu desenvolvimento e final nos trazem. Talvez leitores mais afeitos a romances dominadores, impossíveis e transbordantes de paixão (desencontrada, claro) apreciem melhor o conto.
De todo modo, o fechamento é realizado de forma coerente, fazendo jus ao título e à temporalidade apresentada desde o início. Como comentei antes, a forma aqui tem um papel bem mais ousado do que a história em si, mas mesmo diante disso é possível levantar uma porção de discussões sobre o matrimônio e outros costumes do Império do Brasil, embora a situação geral possa facilmente ser transportada e vista no estágio bananeiro da nossa República atual.
Contos Fluminenses (Brasil, 1870)
Autor: Machado de Assis
Publicação original: Jornal das Famílias, junho de 1864 a janeiro de 1870.
Edição lida para a crítica: Nostrum Editora, 26 de maio de 2014.
213 páginas