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Crítica | O Rei e Eu

por Fernando JG
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Não surpreende o fato de O Rei e Eu ter levado cinco estatuetas no Oscar de 1957. Ainda que Hollywood adore paparicar musicais, o longa de Walter Lang merece ser exaltado com mérito. A direção soube conduzir e dosar um equilíbrio entre o falado e o musicalizado de modo tão sincronizado entre as partes compositivas que é até compreensível que esta peça esteja nos primeiros lugares entre os maiores musicais de todos os tempos, atrás apenas de grandes clássicos incontornáveis, como Cantando na Chuva, Amor Sublime Amor, Cabaret, entre outros que figuram ao seu lado como grandes obras. 

O argumento em questão, o de 1956, não aparece neste filme como algo inédito. Veja: em 1944, Margaret Landon publica o romance Anna and the King of Siam, narrando, a partir de diários e relatos encontrados de Anna Leonowens, uma escritora e educadora inglesa, a história de Anna e de sua epopeia em uma viagem a Sião. E então, baseado no romance, dois filmes são trabalhados nesse intervalo que abrange até o fim da década de 50: um drama, Anna e o Rei do Sião (1946, John Cromwell); e o musical, O Rei e Eu, que foi inspirado em uma peça da Broadway da mesma década. Mais tarde, mais duas produções foram entregues, em 1999, a animação (O Rei e Eu, Richard Rich), e o outro drama (Anna e o Rei, Andy Tennant). Isto é apenas para título de curiosidade. 

A propósito do desenrolar da trama, Anna Leonowens parte da Inglaterra Vitoriana para o país de Sião, governado pelo bárbaro Rei Mongkut. Em sua missão pedagógica, Anna tem a missão de educar as dezenas de crianças do Rei, e ensiná-las através desse intercâmbio entre culturas. Fato é que ao chegar ao país a educadora tem uma grata surpresa ao perceber que todos seguem à risca as vontades mais que arbitrárias do Rei, e que o mundo apresentado pela corte não representa a realidade, sendo tudo, ou quase tudo, uma manipulação de um governo monárquico que impõe a sua visão de mundo a todos. Com uma injustiça desenfreada correndo pelo país, Anna tenta a todo custo mudar aquilo que considera injusto e desleal, e para isso bate de frente, e diretamente, com a figura do temido rei de Sião.  

O argumento é ele por si só polêmico, pois enreda as diferenças culturais entre as nações ocidentais e orientais, puxando uma sardinha para o papel civilizador do ocidente, até por isso longa foi duramente criticado, especialmente o filme de 1999, que levou críticas penosas do governo tailandês, que julgou fazê-lo, o longa, uma interpretação errônea e enviesada da figura do rei Mongkut. Certamente este é um ponto a ser discutido, mas o que salta aos olhos de fato é a cinematografia da película de Walter Lang, que dá ares encantados à sua produção. Com um figurino clássico e uma cenografia absolutamente deleitosa, parece que estamos assistindo a um conto de fadas, e a própria estrutura enredística trabalha com estes aspectos clássicos das famosas fairy tales, inclusive na musicalização da trama, garantindo uma beleza única ao filme. 

Sobre as canções, são todas muito bem articuladas com a proposta, e as performances são excelentes, muito em razão da disposição vocal dos atores, respectivamente de Deborah Kerr, que interpreta Anna, e de Yul Brynner, que representa o Rei.  A voz de Deborah é tão dócil e suave que eu poderia ouvi-la por horas a fio. Ganhador do Oscar de melhor ator naquele ano, Yul Brynner, que já tinha atuado em peças homônimas, fazendo o mesmo papel, entrega um monarca carrasco, convincente e engraçado. Inclusive, a trama varia entre episódios absolutamente humorísticos, dramáticos e românticos na sua composição fílmica, e todos funcionam muito bem, sobretudo o humor, que foi o que me ganhou. O contraponto entre a autoridade arbitrária do rei e a atitude desbocada de Anna, sem medo de enfrentá-lo, dá uma pitada necessária no desenvolvimento da unidade estilística e temática do filme, resultando num todo interessante e dando liga para o enredo. 

O longa discute alguns temas importantes como as diferenças culturais, a figura cultural da mulher subalterna, junto da virada dessa concepção para uma maior valorização e respeito ao gênero feminino, o encontro entre culturas, etc. No entanto, o filme não se prende a isso, e traz aspectos compositivos e técnicos que dão volume ao musical. Muito bonito na sua condução artística, com um azulado característico que percorre toda a atmosfera, a película de Walter Lang é de fato um clássico, e um clássico porque ela concentra em si, em sua estrutura fílmica, aspectos passíveis para que resista a um reexame, a uma revisitação, sobretudo se enquadrado à luz de seu tempo, etc. etc. etc. 

O Rei e Eu (The King and I, Estados Unidos, 1956)
Direção: Walter Lang
Roteiro: Ernest Lehman (baseado no romance de Margaret Landon Anna and the King of Siam)
Elenco: Deborah Kerr, Yul Brynner, Rita Moreno, Martin Breson, Terry Saunders, Rex Thompson, Carlos Rivas
Duração: 133 min.

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