A britânica Kate Winslet é inegavelmente uma atriz versátil, que nuca se dá o luxo de se acomodar, procurando, muito ao contrário, desafiar-se constantemente. Começou na TV com 15 anos, foi para o cinema em um papel difícil com apenas 18 anos e, com 21, estrelou o blockbuster de maior bilheteria da História do Cinema que demorou mais de uma década para ser ultrapassado, em seguida mergulhando em filmes menores novamente reinventando-se e fazendo papeis contra seu tipo, sem jamais deixar a TV de lado e continuar surpreendendo, como foi o caso de seu recente e magnífico trabalho em Mare of Easttown. Seu nome no elenco é, hoje em dia, sinônimo de qualidade dramática, sendo, normalmente, o chamariz que leva à conferência de qualquer obra em que aparece. Isso não quer dizer, claro, que todos os seus filmes e séries são acima de qualquer suspeita, mas, normalmente, suas performances são, e esse é exatamente o caso de O Regime, sua quarta parceria com a HBO.
Nesta sátira política em forma de minissérie com seis episódios, Winslet é uma autocrata delirante, hipocondríaca, de boca mole, com voz empostada, sotaque forçado, manipuladora e também manipulável, que conversa com seu pai morto e conservado em um mausoléu em um caixão de vidro como Lenin e que é a chanceler viciada em poder que governa um pequeno país fictício na Europa Central a partir de um palácio “ceaușescuano” que é o casamento profano do exterior do Grande Hotel Budapeste com um interior que conta com uma sala de reunião à la sala de guerra de Dr. Fantástico. Irresistível logo de cara, não é mesmo? Pois eu sei que fui irresistivelmente atraído pela presença comicamente imponente da atriz no material de divulgação e Winslet em momento algum desaponta, mesmo quando sua personagem envereda pelo farsesco e puramente cômico ,sendo inegavelmente a força que impede que a minissérie se desmanche completamente sob o peso de roteiros que não sabem o que querem ser para além de tudo ao mesmo tempo.
Porque a criação de Will Tracy (que tem em seu currículo o roteiro do excelente O Menu, que co-escreveu com Seth Reiss e três roteiros da fenomenal Succession) é uma daquelas obras que atira para todos os lados e se perde em suas intenções. Sim, é uma sátira política, mas não há foco. Vemos traços de autoridades mortas e vivas da história recente do mundo na Elena Vernham de Winslet que, ao trazer para próximo de si Herbert Zubak (Matthias Schoenaerts), um soldado desgraçado por ter sido a fagulha de um massacre que mostra devoção pela chanceler e passa a ser seu conselheiro e muitas outras coisas na medida em que a história progride, efetivamente fazendo a história da queda do governo começar. Elena é Margaret Thatcher e Vladimir Putin da mesma forma que é Donald Trump e Volodymyr Zelensky e da mesma forma que é Fidel Castro e Kim Jong Un, além de uma infinidade de outros políticos que poderia citar, com os roteiros muito mais preocupados em fazer Winslet trafegar por essas categorizações do que criar uma história que trabalhe efetivamente seus pontos, sem ficar perdidos em um pot-pourri de citações indiretas (mas nem tanto) a eventos recentes que, claro, são repetições de eventos que a História do Mundo já viu diversas vezes, como anexações violentas, dissidências, corrupção, sentimento anti-americano, imperialismo, fake news, fanatismo, polarização de opiniões, manipulação política e econômica, só para citar alguns, tudo em meio a uma decadente, suja, retorcida e doentia história de “amor” que coloco entre aspas pois é um uso liberal da palavra.
É aquela velha história: ao tentar falar de tudo, a minissérie acaba não falando de nada ou quase nada, o que esvazia conteúdo que poderia ser relevante, passando a ser uma sátira política apenas em nome, pois, na verdade, a obra acaba reduzida a um drama de tons cômicos que poderia também ser uma comédia de tons dramáticos que não sabe muito bem se foca no tratamento médico “popular” imposto por Zubak à Elena, no drama de Agnes (Andrea Riseborough), mão direita de Elena, e seu filho epiléptico Oskar (Louie Mynett) ou, ainda, nas maquinações políticas dos ministros da chanceler que, como todo político, só pensam em seus próprios bolsos. Em outras palavras, os exageros que pontilham os episódios eram para ser cômicos e ferinos, mas não conseguem sequer ser passáveis e o drama político de bastidores, que conta com os EUA fazendo de tudo para manipular a chanceler, é tão básico e didático que parece mais um professor inábil tentando explicar para uma turma de 5ª série o panorama político e econômico mundial em não mais do que 140 caracteres.
Pelo menos são apenas seis episódios e, mais ainda, seis episódios em que Kate Winslet é consistentemente o centro das atenções. Não fosse isso, O Regime seria uma minissérie completamente descartável, daquelas que dá até vergonha de lembrar que existe. Mas, como temos Winslet nos holofotes, ela ganha uma sobrevida e fica na mente pelo menos a sensação de que a criação de Will Tracy poderia ter sido pelo menos muito boa se ele soubesse o que queria.
O Regime (The Regime – EUA, 03 de março a 07 de abril de 2024)
Criação: Will Tracy
Direção: Stephen Frears, Jessica Hobbs
Roteiro: Will Tracy, Sarah DeLappe, Juli Weiner, Seth Reiss, Gary Shteyngart, Jen Spyra
Elenco: Kate Winslet, Matthias Schoenaerts, Guillaume Gallienne, Andrea Riseborough, Danny Webb, Henry Goodman, David Bamber, Rory Keenan, Stanley Townsend, Martha Plimpton, Hugh Grant, Pippa Haywood, Jessica Frances Dukes, Karl Markovics, Julia Davis, Kenneth Collard, Louie Mynett
Duração: 326 min. (seis episódios)