Home FilmesCríticas Crítica | O Rancho da Goiabada, ou Pois é Meu Camarada, Fácil, Fácil Não é a Vida

Crítica | O Rancho da Goiabada, ou Pois é Meu Camarada, Fácil, Fácil Não é a Vida

Entre trabalhos e sorrisos.

por Frederico Franco
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Guilherme Martins estabelece seu peculiar protagonista logo em suas primeiras aparições: um ambulante que vende cópias piratas de filmes nacionais, desde Glauber Rocha até o contemporâneo Adirley Queirós. Essa dinâmica beirando o absurdo já arranca risos do público, dando conta de apresentar a veia humorística presente em O Rancho da Goiabada. Partindo da metrópole São Paulo e viajando até o interior do nordeste, o que é colocado em perspectiva, aqui, é o trabalho em suas mais variadas formas. Contudo, entramos em contato com empregos precarizados, beirando a marginalização. Parte-se da venda de DVDs piratas no metrô, realizando uma ida às plantações de cana nordestinas e, finalmente, encontrando um trabalho dentro da cozinha de um restaurante. Todos os trabalhos aqui mostrados possuem algo em comum: o protagonista Alex Rocha. A partir de uma abordagem mista entre ficção e documentário, o personagem principal transita entre esses diferentes empregos a fim de expôr uma dura realidade desses trabalhadores.

Alex Rocha é, talvez, o grande acerto da direção. Seu carisma é quase magnético, sendo capaz de se entregar à câmera por completo. É a grande força motriz do filme. Além disso, sua capacidade de se adaptar a diferentes situações é louvável. Qualquer que seja o local no qual está inserido, Alex entrega uma forte sensação de pertencimento. Seja cortando cana ou lavando talheres, o protagonista realiza um excelente trabalho de atuação. Sua interação direta com seus pares funciona de maneira orgânica, como se realmente fizesse parte do ambiente no qual está inserido. Seja por meio de piadas e causos jocosos, Alex não apenas encanta o espectador com seu carisma como também aqueles à sua volta. Sua atuação enquanto ambulante de filmes pirateados merece destaque. Ao tentar vender seu produto, em vários momentos, ele despeja pequenos comentários a respeito da obra, demonstrando conhecimento sobre aquilo que oferece. O Pagador de Promessas é um clássico, isso você não vê na Netflix: apenas um breve exemplo daquilo que o protagonista, enquanto vendedor, diz aos seus possíveis clientes dentro do metrô paulista.

Existe, já pela metade do filme, uma possível espécie de comparação entre os dois trabalhos centrais de Alex Rocha: na plantação de cana e no restaurante no qual lava talheres. Ambos são precarizados, mal remunerados. E essa aproximação fica visível entre diálogos apresentados por Guilherme Martins. No entanto, fica clara uma certa oposição entre o cortar a cana e o emprego na cozinha. O primeiro, é visceral, construído a partir da força bruta, abrindo buracos mata adentro. Já no outro, quase um oposto: um trabalho asséptico, marcado pela delicadeza e precisão de gestos contidos – o que fica visível quando nos é apresentada a montagem de pratos a serem entregues. Por mais que sejam expostas essas distinções, em ambos existem uma espécie de coreografia corporal, um balé muito específico. Na cozinha, uma dança lenta, com pouca margem para improviso; na cana, gestos marcados pela força, pela tensão. 

O Rancho da Goiabada nos entrega um personagem que sempre está em constante trabalho. Vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. O protagonista Alex Rocha quase não descansa. Sua vida é trabalhar. Sua existência é resumida pela labuta. O trabalho é aquilo que lhe define, aquilo que o constitui enquanto engrenagem da sociedade. É aqui mesmo que se apoia a crítica ao capitalismo exposta por Guilherme Martins. O trabalho não edifica; dentro da engrenagem capitalista, o trabalho é algo a ser enfrentado. São poucos e escassos os momentos de respiro frente ao constante ato de trabalhar sem ter alguma pretensão dentro da vida. Mesmo em momentos de lazer, como uma rápida ida ao bar, os empregos são o principal assunto abordado. A vida do cara é trabalhar, vem a dizer o protagonista. O lazer, aqui, é exceção à regra. O prazer é quase como uma relação proibida.

Alex Rocha, ao longo da obra, parece estar em busca de algum sentido para sua vida através do trabalho. As respostas que ele espera vem de seus companheiros de classe. Você é feliz?, pergunta o protagonista para um colega. A resposta está diretamente relacionada ao trabalho. O que você faria se ganhasse na loteria?, questiona Alex. O colega, por outro lado, diz que jamais deixaria de trabalhar. O emprego se tornou algo inato em sua personalidade enquanto ser social.

O protagonista é um ser iluminado, sempre sorridente, alegre, por maior que sejam as adversidades apresentadas em sua vida. Ao final, no entanto, uma visão arrebatadora. Findado o dia, encontra-se o protagonista exausto, finalmente conseguindo respirar e encontrar descanso em seu quarto. O olhar vazio, perdido no horizonte urbano, deixa de lado o brilho exposto por Alex. O descanso, contudo, é curto. O primeiro suspiro mal termina e a rotina já ressurge. O protagonista, mesmo natimorto, levanta-se e vai novamente ao embate. A visão de Guilherme Martins, agora, esconde os sorrisos apresentados durante o filme. O que resta, nesse momento, é a melancolia do esgotamento frente à dura e mecanizada realidade do protagonista.

O Rancho da Goiabada, ou Pois é Meu Camarada, Fácil, Fácil Não é a Vida – Brasil, 2024
Direção: Guilherme Martins
Roteiro: Guilherme Martins
Elenco: Alex Rocha, Mariana Ser, Bira Nogueira
Duração: 72 min.

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