Se a primeira encarnação cinematográfica do Quarteto Fantástico tivesse sido produzida para a televisão e uns 20 anos antes do que foi, minha crítica seria muito mais benevolente e compreensiva. Mas não, O Quarteto Fantástico foi algo originalmente criado para ser exibido nos cinemas e em pleno 1994, quando os efeitos especiais – e de computação gráfica – já gozavam de um bom grau de desenvolvimento, mesmo no caso de filmes de baixo orçamento.
E sim, a produção acabou nunca sendo exibida, ficando relegada às cópias bootleg que estão facilmente acessíveis internet afora. Mas, diferente do que diz a lenda, o filme tinha mesmo o objetivo de ser exibido, não tendo vindo à luz somente para evitar que os direitos cinematográficos sobre os personagens expirassem. Calma que a palavra chave aqui é “somente”, pois a gênese dessa película foi efetivamente uma estratégia do produtor alemão Bernd Eichinger para evitar a perda dos direitos que negociara diretamente com a Marvel anos antes e que ocorreria em 1992. Ao exercer a opção de produzir e iniciar os investimentos para tanto, o contrato foi automaticamente renovado.
Como não havia nada estipulando o quanto precisaria ser investido, Eichinger determinou um orçamento: um milhão de dólares, praticamente nada para um filme que precisaria pesadamente de efeitos especiais. Entra no cenário, então, Roger Corman, o mago dos filmes B, que abraçou a causa como produtor, logo contratando o diretor de videoclipes e de filmes trash Oley Sassone para trabalhar com base no roteiro de Craig J. Nevius e Kevin Rock, ambos ilustres desconhecidos que não haviam escrito e não escreveriam nada que prestasse em suas carreiras e voilà, estava pronta a estrada para um filme da Primeira Família da Marvel.
Ah, claro, como deixar de mencionar a escalação de “atores” para os cinco papeis principais? Alex Hyde-White (Sr. Fantástico), Jay Underwood (Tocha Humana), Rebecca Staab (Mulher-Invisível), Michael Bailey Smith (Coisa), Ian Trigger (o vilão Joalheiro, criado exclusivamente para o filme) e Joseph Culp (Doutor Destino) devem ter sido achados no varejão de atores de uma cidade do interior dos EUA. De todos, os que melhores atuam, de longe, são Bailey Smith e Culp, que nos poupam das canastrices e reações dignas de risadas em razão de trabalharem quase que exclusivamente atrás de máscaras.
Mas voltando a Eichinger, o produtor realmente queria colocar a película nos cinemas e começou uma campanha de divulgação que chegou a gerar interesse de diversos veículos jornalísticos, abrindo caminho para uma distribuição mais ampla. Acontece que Avi Arad, então apenas um executivo da Marvel, tomou conhecimento da produção, inteirou-se sobre sua alegada baixa qualidade e concluiu que, se lançado, a obra mancharia a reputação da propriedade intelectual da empresa e impediria futuros negócios. Assim, ele adquiriu os direitos sobre o filme para que ele não fosse exibido. Os dois lados ganharam: a Marvel manteria imaculada a imagem de seus personagens por mais 11 anos e Eichinger recobraria seus gastos com lucro e ainda manteria os direitos sobre eles, o que levaria aos filmes da Fox em 2005 e 2007.
Sei que meu parênteses sobre a história dessa produção foi grande, mas a considero bem mais interessante do que o filme em si que, como já disse, teria sido até bom se tivesse surgido 20 anos antes como um telefilme. Apesar de ser muito fiel aos quadrinhos – o roteiro, inclusive, é simplista e pueril como as histórias de Lee e Kirby no início da carreira do grupo – os efeitos especiais de fundo de quintal, as atuações realmente tenebrosas, os diálogos de trincar os dentes, a trilha sonora “roubada” de um milhão de fontes diferentes e sincronizada erroneamente e a fotografia escura para esconder os “defeitos”, além de uma direção que deixaria Uwe Boll orgulhoso tornam esse filme uma paródia dele mesmo e deixam às escâncaras o mecanismo contratual hollywoodiano que exige que se gaste dinheiro com produções assim.
Mas será que tudo é realmente ruim nesse filme? Certamente que não. Mas os pontos positivos se resumem a dois. O primeiro deles é o quanto a armadura do Doutor Destinho é igual à dos quadrinhos. A máscara com os rebites, a boca semi-aberta, os olhos quadrados, a articulação no joelho, o tom de verde da capa, capuz e peitoral, é como ver as HQs pularem para a tela. Ponto para o cuidado no design do personagem e no respeito aos quadrinhos, cuidado esse que quase vai integralmente por água abaixo pela escuridão que cerca o vilão.
O segundo aspecto positivo – e aqui, tenho certeza, há controvérsias – é o design do Coisa. Apesar de ele não ser muito maior do que seus companheiros de equipe, sua aparência de pedra na cor laranja e especialmente a máscara animatrônica (com lábios que se movem dessincronizados ao diálogo, porém…) são excepcionais mesmo para a época. Não é de se espantar que parte polpuda do parco orçamento tenha sido dedicado à construção dessa “roupa”.
Mas é só. No entanto, esse “só” já coloca O Quarteto Fantástico em franca vantagem em relação a obras com orçamentos muito maiores como Batman Eternamente (aliás, é engraçado notar que Batman é citado no filme pelo Tocha Humana!) e Superman IV: Em Busca da Paz e em pé de igualdade com as produções da Fox sobre os mesmos heróis da Marvel.
O filme vale muito mais como curiosidade ou como um pedaço obscuro da história dos filmes de super-heróis (ou para ver o Doutor Destino em filme exatamente como nos quadrinhos) do que por qualquer outra coisa. Um ótimo telefilme setentista feito com décadas de atraso e para a mídia errada.
O Quarteto Fantástico (The Fantastic Four, EUA/Alemanha – 1994)
Direção: Oley Sassone
Roteiro: Craig J. Nevius, Kevin Rock
Elenco: Alex Hyde-White, Jay Underwood, Rebecca Staab, Michael Bailey Smith, Ian Trigger, Joseph Culp, Kat Green, George Gaynes, Carl Ciarfalio
Duração: 90 min.