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Crítica | O Próprio Enterro

Um drama de tribunal no estilo clássico e muito eficiente.

por Ritter Fan
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Baseado em um caso real, O Próprio Enterro é um simpático drama de tribunal levemente cômico (não, não é uma dramédia, seja lá o que isso realmente signifique) que se vale de uma estrutura narrativa que poderia carimbar com o selo velha guarda, mas sem que isso signifique que é antiquada ou cansada, e de atuações completamente opostas de Jamie Foxx e Tommy Lee Jones, um vivendo um espalhafatoso e falastrão advogado especializado em responsabilidade civil na Flórida e o outro um carrancudo e lacônico cliente que é dono de funerárias no Mississippi (deixarei vocês adivinharem que ator vive que personagem…), para conjurar uma narrativa básica, mas atraente do começo ao fim. Maggie Betts, dirigindo seu segundo longa de ficção (o primeiro foi o interessante Noviciado, de 2017), navega com segurança o “filme de tribunal”, temperando-o com tensões raciais e a boa e velha luta de Davi contra Golias, com um resultado sem dúvida acima da média.

A história real por trás do filme lida com o embate entre Jeremiah Joseph O’Keefe (Jones) que, deparando-se com problemas de natureza securitária, precisa vender parte de seu negócio de funerárias herdado do pai para Raymond Loewen (Bill Camp), magnata do Loewen Group, um conglomerado canadense no mesmo ramo de O’Keefe. Um acordo verbal acaba não saindo e O’Keefe decide levar o assunto a litígio contra o aconselhamento de seu amigo e advogado de longa data Mike Allred (Alan Ruck), o que o leva, surpreendentemente, a procurar a ajuda de Willie E. Gary (Foxx), um muito bem sucedido advogado no estilo Saul Goodman de ser, mas sem nenhuma experiência na área sob contenda. Entre a teimosia e o desejo de vingança de O’Keefe, o preconceito e indignação de Allred e a inicial hesitação de Gary, o primeiro terço, quase metade, de O Próprio Enterro, na fase pré-tribunal, é um dinâmico longa em que personalidades muito diferentes transitam entre o conflito e a convergência.

Quando o julgamento começa, com a entrada de Jurnee Smollett vivendo a inteligentíssima e experiente advogada Mame Downes, essa dinâmica inicial é amplificada e o ritmo se segura muito bem enquanto a diretora transita por literalmente todos os tropos clássicos do gênero, o que inclui depoimentos bombásticos, revelações vexatórias e reviravoltas eletrizantes, além de, claro, uma conexão cada vez mais próxima de Gary com O’Keefe. E o subtexto racial natural do iníicio passa a ser texto mesmo quando o julgamento esquenta, funcionando bem no caso, mas não tão bem fora dele, já que o roteiro co-escrito por Betts e Doug Wright acaba recorrendo a uma pegada que é ao mesmo tempo didática e melodramática que parece deslocada do coração narrativo do longa, ainda que não resulte em um desvio muito grande de propósito.

Claro que as atuações completamente antitéticas de Jamie Foxx e Tommy Lee Jones são o ponto alto de O Próprio Enterro e elas, sozinhas, valem o preço do ingresso. E eu nem digo que os dois estão particularmente fenomenais em seus respectivos papeis, até porque eles estão completamente dentro de suas zonas de conforto, mas a verdade é que a dupla simultaneamente em tela resulta em momentos muito agradáveis e até memoráveis, como é a mudança de estratégia com a chegada explosiva de Gary ao caso ou, mais tarde, a sequência em que O’Keefe procura seu advogado na casa da mãe dele (é nessa sequência que vem também o didatismo racial, mas ele não apaga a força das atuações e a tão perfeita química entre os dois). E o melhor é que Foxx e Smollett, juntos, também revelam-se excelentes como advogados de estilos completamente diferentes, mas com o mesmo senso de Justiça por trás de tudo o que fazem.

O Próprio Enterro definitivamente não reinventa a roda. Trata-se de um drama de tribunal clássico que, com algumas modificações aqui e ali, não diferem muito de um gênero quase imutável há décadas. Mas Maggie Betts tem não só um caso real muito interessante em mãos, como seu roteiro com Wright consegue crias todas as circunstâncias necessárias para o básico funcionar muito bem, algo que sua direção que em momento algum chama atenção para si mesma transpõe de forma muito competente para a telinha. E, lógico, a produção não poderia ter escalado nomes melhores para a dupla protagonista que, sempre que é o foco das atenções, mastiga o cenário sem nenhuma dificuldade.

O Próprio Enterro (The Burial – EUA, 2023)
Direção: Maggie Betts
Roteiro: Doug Wright, Maggie Betts (baseado em artigo jornalístico de Jonathan Harr)
Elenco: Jamie Foxx, Tommy Lee Jones, Jurnee Smollett, Alan Ruck, Mamoudou Athie, Pamela Reed, Bill Camp, Amanda Warren, Dorian Missick, Lance E. Nichols, Billy Slaughter
Duração: 126 min.

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