- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas.
Quando a sétima e última temporada de O Príncipe Dragão (desde a quarta com o subtítulo que virou título O Mistério de Aaravos) começa, somente os espectadores, além da humana Claudia (Racquel Belmonte) e o Elfo da Terra Terry (Benjamin Callins), claro, sabem que o manipulador, poderoso e vingativo Elfo das Estrelas Aaravos (Erik Todd Dellums) finalmente saiu de sua prisão para causar o caos em Xadia e os showrunners Aaron Ehasz e Justin Richmond fazem o melhor uso possível desse, digamos, “lapso de informação” para trabalhar os arcos narrativos dos demais personagens, o que nem sempre funciona perfeitamente bem, mas que, no geral, ajuda a temporada a ser talvez não o encerramento definitivo (ou quase) que eu esperava, mas um que podemos chamar de fim pelo momento. Afinal, se essa suposta temporada final tem um problema é justamente em razão da necessidade de eu usar o “suposta” antes de “temporada final”, mas eu abordarei isso em seu devido tempo.
Retornando ao “lapso de informaçao” que mencionei, o primeiro aspecto que merece destaque é a cisma criada entre os irmãos Callum (Jack DeSena), mago de Katolis, e Ezran (Sasha Rojen), rei de Katolis, em razão da presença de Runaan (Jonathan Holmes), que a Elfa da Lua Rayla (Paula Burrows) trouxe de volta do limbo, por ele ser o assassino do Rei Harrow. É um momento clássico de amadurecimento por trauma, em que Callum efetivamente escolhe a mulher que ama e não seu meio irmão, com Ezran, sentindo-se traído e, claro, também vendo Katolis destruída, sucumbindo à raiva incontida e partindo não para a reconstrução, mas sim para a criação de armas anti-criaturas mitológicas com o uso dos cristais oferecidos pela Rainha Aanya (Zelda Ehasz) seguindo exatamente o mesmo raciocínio que levou os EUA e a União Soviética a criarem os arsenais atômicos que até hoje ameaçam o mundo. Callum, por seu turno, fica ao lado de Rayla até o fim do processo em que ela, com ajuda de Runaan e seu marido Ethari (Vincent Gale), tenta reverter seu banimento de Silvergrove.
No lado dos Elfos do Sol, a situação é menos complexa, pois, no final da temporada anterior, o traidor Príncipe Karim (Luc Roderique) foi derrotado, com a Rainha Janai (Rena Anakwe) casando com a agora também Rainha Amaya (Sheila Ferguson), mas a cunha crava entre irmãos também é fortemente sentida aqui. Apesar de todo o processo por que Janai relutantemente passa para perdoar e absorver o exército de Karim de volta em seu grupo, Karim é inamovível em sua posição de que humanos e elfos não podem coexistir, levando a temporada a um impasse sobre o que fazer com o personagem. Afinal, ele ser executado por ordem de sua própria irmã seria pesado talvez demais e ele ser completamente perdoado e, no processo, mudar de personalidade, passando a aceitar Janai como rainha, seria tornar tudo muito simples. A saída foi mantê-lo como traidor, mas entregar sua morte basicamente a ele mesmo ao tentar aliar-se com Aaravos e ser esmagado pelo elfo gigante. Uma escolha interessante, sem dúvida, mas que acaba sendo a única demonstração efetiva de maldade sanguinária por parte do grande vilão.
Sobre Aaravos em si, de forma a atrasar o embate final, a temporada o leva a uma última jornada ao lado de Claudia que, aqui, finalmente se entrega de vez e conscientemente à magia sombria, mesmo que não exatamente sucumbindo ao tipo de vilania descerebrada e bobalhona que vemos acontecer em outros filmes e séries. Ela inegavelmente mantem-se como a Claudia que ela sempre foi, ainda amando Terry e seu irmão Soren, mas completamente perdida em uma jornada que, por diversos fatores, ela embrenhou-se e não consegue mais sair. O plano de Aaravos, por seu turno é literalmente trazer a escuridão eterna para Xadia, afundando essa terra sob o ataque de desmortos variados do Nexo da Lua, tudo como parte de sua vingança pela execução de sua filha Leola, depois que ela, como Prometeu, leva a magia aos humanos. Como eu disse em minha crítica anterior, eu não adoro a “justificativa” da vilania de Aaravos e, lá no fundo, eu esperava que essa historinha sobre Leola fosse revelada como mais uma meia verdade dele, mas, ao que tudo indica, foi isso mesmo, o que não é de forma alguma o fim do mundo, apenas não exatamente minha preferência.
Em outras palavras, tudo o que desenvolve e, sob certos aspectos, encerra arcos dos variados núcleos de personagens, funciona muito bem na temporada final, incluindo aí o plano apocalíptico de Aaravos. No entanto, quando a grande batalha climática finalmente chega, a dupla de showrunners pareceu muito mais interessada em criar as circunstâncias para que a série ganhe outro arco (algo que, depois que acabei de assistir, descobri que é verdade, com uma trinca de novas temporadas em planejamento) do que para realmente levar a história a um final efetivo. Não que eu esperasse um encerramento completo e absoluto, pois é natural que algumas pontas fiquem soltas. No entanto, entre Aaravos sendo derrotado pelo casal “original” de dragões – uma doente e outro um “fantasma” – de maneira fácil demais e o roteiro prometendo diversas vezes que ele voltará em sete anos e aquele epílogo safado sobre a possibilidade de o Rei Harrow ainda estar vivo (ok, não é a primeira vez que isso foi abordado, mas, no finalzinho foi trapaça), senti que Ehasz e Richmond traíram um pouco tudo o que construíram maravilhosamente bem ao longo das sete temporadas. Nada contra eles querem continuar o projeto e isso é até natural, mas era completamente desnecessário deixar tantas pontas escancaradas. Nem mesmo Claudia ganha um final de verdade nessa brincadeira toda.
Não tenho dúvidas em afirmar que, visto como um todo, O Príncipe Dragão é uma das melhores produções ocidentais animadas serializadas na categoria de sagas de fantasia, seja em roteiro, design de produção ou técnica de animação em si, mas Ehasz e Richmond, justamente por isso, tinham uma dívida com os espectadores de entregar um final completo. Eles quase chegaram lá, admito, mas derraparam no último episódio em tese épico, mas que, na verdade, existe para deixar tudo em suspenso. Mas, fazer o que? Só nos resta torcer para que o Netflix embarque na continuação desse projeto.
O Príncipe Dragão (O Mistério de Aaravos) – 7ª Temporada (The Dragon Prince: Mystery of Aaravos, EUA/Canadá – 19 de dezembro de 2024)
Criação: Aaron Ehasz, Justin Richmond
Direção: George Samilski
Roteiro: Aaron Ehasz, Justin Richmond, Joe Corcoran, Eugene Ramos, Devon Giehl, Iain Hendry, Paige VanTassell, Michal Schick
Elenco (vozes originais): Jack De Sena, Paula Burrows, Sasha Rojen, Jason Simpson, Racquel Belmonte, Jesse Inocalla, Sheila Ferguson, Rena Anakwe, Erik Todd Dellums, Benjamin Callins, Luc Roderique, Omari Newton, Zelda Ehasz, Greg Rogers, Laara Sadiq, Deven Mack, Nicole Oliver, Adrian Hough, Mark Gibbon, Boone Williams, Ethan Farrell, Ridley Simpson, Jonathan Holmes, Ely Jackson, Tyrone Savage, Ellie King, Vincent Gale
Duração: 233 min. (nove episódios no total)