Pode-se dizer, sem medo de errar, que John McTiernan foi um dos grandes responsáveis por fazer da década de 80 o que ela foi para o cinema descerebrado. Afinal, sozinho, o diretor trouxe para as telonas, em dois anos seguidos, O Predador e Duro de Matar. Enquanto a obra com Bruce Willis tem um requinte e um cuidado que a coloca – junto com O Exterminador do Futuro – acima dos filmes de brucutu que marcaram a época, O Predador é quase que uma perfeita síntese desse tipo de divertimento cinematográfico.
Arnold Schwarzenneger, já consolidado como um grande astro, encarna Dutch, a versão “na ativa” de seu John Matrix, como líder de um destacamento de comandos que age sob as ordens da CIA em uma densa floresta na América Central para resgatar um oficial capturado por insurgentes locais. Há o conflito básico entre a forma de agir de Dutch e seu antigo amigo e agora agente da CIA George Dillon (Carl Weathers, o Apollo da franquia Rocky), além da apresentação de toda sua equipe, formada de gente meiga e delicada como Mac (Bill Duke), que gosta de se barbear a seco, Blain (Jesse Ventura), que maneja uma metralhadora enorme enquanto masca fumo e Billy (Sonny Landham), que é a versão indígena de Rambo. Em meio a toda essa testosterona, há tempo, ainda, para uma personagem feminina: Anna (Elpidia Carrillo), uma guerrilheira local que é arregimentada por Dutch.
Mas nada disso interessa, nem mesmo o próprio Schwarzenneger. O que logo chama atenção é que há um mistério nessa selva, mistério esse que passa a caçar e matar cada um dos soldados, no melhor estilo Alien, o Oitavo Passageiro. Não demora e Dutch se vê sozinho contra uma criatura alienígena que é, sem sombra de dúvidas, um dos monstros mais fascinantes da Sétima Arte. Simples em seu objetivo, que é caçar presas de valor, o Predador do título merece as mais altas comendas pelo seu design, criado pelo mestre dos mestres Stan Winston, com ideias extraídas da mente de ninguém menos do que o próprio James Cameron. Longe de ser uma criatura complexa, o que chama atenção é seu figurino que, ao mesmo tempo que passa a exata impressão alienígena necessária à trama, foge de trajes espaciais comuns, transformando-o em um caçador perfeitamente crível, bastando um breve olhar para ele ao mesmo tempo demonstrar seu potencial assustador e contar uma história com os diversos elementos que vemos: o cabelo em dreadlocks, o capacete que esconde seu horrendo rosto, os ossos de suas vitimas que decoram sua roupa e assim por diante. Estamos diante de um ser único que, assim como o alienígena de H.R. Giger, marcaria a História do Cinema.
Aliás, a história da criatura também ganha um lado pitoresco, pois, originalmente, Jean-Claude Van Damme, outra estrela que surgiu nos anos 80, foi o primeiro nome escalado para vivê-la. No entanto, seu tamanho diminuto perto de Schwarzennegger, Weathers e demais atores, além de suas constantes reclamações sobre o desconfortável traje do monstro, levaram à sua substituição por Kevin Peter Hall, que aparece também brevemente como o piloto do helicóptero que resgata Dutch. Com isso, o Predador acabou ganhando mais imponência, ainda que tenha perdido na agilidade, que era o objetivo da escalação de Van Damme.
E o roteiro de Jim e John Thomas não poderia ser mais limpo e objetivo, seguindo o padrão de filmes de horror de décadas anteriores e do já citado Alien, de Ridley Scott: os personagens vão sendo mortos um a um pelo Predador e sua tecnologia que o torna invisível e permite que ele veja a temperatura dos corpos, até que sobra somente um, Dutch, que, claro, vira o jogo completamente. Mas McTiernan é muito habilidoso e faz de uma sucessão de clichês – especialmente as mortes bregas heroicas dos soldados – uma diversão sem par em que sabemos e esperamos exatamente o que acontecerá na cena seguinte, mas, mesmo assim, adoramos cada segundo que passa e que confirma o que esperávamos.
Há uma preocupação de McTiernan em ser de certa forma didático, evitando ações confusas e picotadas. Suas sequências tendem a ser mais longas, demonstrando tranquilidade e trabalhando bem a atmosfera de tensão antes da criatura ser revelada por completo. Ele praticamente aplica, página a página, o “manual de boas práticas de filmes de horror” em um ambiente diferente, lidando com um embate intimista entre um alienígena solitário e próximo do invencível e uma tropa de elite perdida em um ambiente hostil que acaba moída vagarosa e deliciosamente. Quando só há Dutch e o Predador, McTiernan redobra os seus cuidados, pois ele passa a não mais contar sequer com os poucos diálogos que tinha, magistralmente contando um embate entre dois seres invencíveis apenas com imagens e muitos efeitos sonoros, além das clássicas caretas de dor de Schwarzenegger e, como poderia esquecer, do sangue fosforescente da criatura.
O Predador é uma joia em sua simplicidade e objetividade. Um filme que claramente demonstra a pegada cuidadosa do diretor, sempre procurando fazer algo bem acima da linha do banal. O resultado é uma obra que é sim descerebrada, mas que é da mesma forma inesquecível.
O Predador (Predator, EUA – 1987)
Direção: John McTiernan
Roteiro: Jim Thomas, John Thomas
Elenco: Arnold Schwarzenegger, Carl Weathers, Elpidia Carrillo, Bill Duke, Jesse Ventura, Sonny Landham, Richard Chaves, Shane Black, R.G. Armstrong, Kevin Peter Hall, Peter Cullen
Duração: 107 min.