Home LiteraturaAcadêmico/Jornalístico Crítica | O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil, de Darcy Ribeiro

Crítica | O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil, de Darcy Ribeiro

Um ensaio importante, mas não isento de críticas, sobre a formação do povo e identidade brasileira.

por Leonardo Campos
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Clássicos, como já falado em textos anteriores por aqui, são livros que sobrevivem ao tempo e mesmo em suas possíveis contradições, conseguem manter diálogo com a atualidade e ter os seus discursos repensados, reinterpretados, mantendo-se firmes em seus posicionamentos contundentes. Assim é O Povo Brasileiro, do antropólogo Darcy Ribeiro, uma daquelas leituras obrigatórias não apenas para estudantes no âmbito dos estudos sociológicos, mas também para aqueles que querem entender melhor a formação do miscigenado Brasil, um processo de construção estruturado em paradigmas ainda muito debatidos no contemporâneo. Com o subtítulo A Formação e o Sentido do Brasil, a publicação do autor é bastante refletida não apenas nos espaços das salas de aula, mas em qualquer outro ambiente onde a discussão seja a estruturação étnica e cultura do nosso povo, uma mixagem de identidades que engloba os indígenas que aqui habitavam ao longo da chegada e exploração dos colonizadores portugueses, juntamente com os posteriores oriundos da diáspora africana, além dos imigrantes holandeses, italianos, franceses, japoneses, alemães, dentre tantos outros.

Basicamente, em O Povo Brasileiro, o escritor Darcy Ribeiro se debruça em busca da resposta para o seguinte questionamento: por que o Brasil não deu certo? Ao longo das volumosas páginas do livro, o autor analisa o conjunto de características que formam a nossa matriz de identidade, num esquema de mestiçagem que ocorreu de maneiras diversas. Ler o texto é adentrar por uma complexa jornada de conhecimentos gerais e específicos, uma aventura que flui de maneira dinâmica, mesmo com seus longos capítulos, algo que pode ser árduo para as gerações mais recentes, incapazes de ter a paciência necessária para ler até mesmo as legendas das postagens das publicações nas redes sociais que acompanham. O cunhadismo é uma das práticas de nosso esquema formativo retratado pelo autor. Prática indígena de incorporar estranhos à sua comunidade, algo que consistia em basicamente conceder uma moça indígena ao “estranho” como mulher, estabelecendo assim laços que o tornava aparentado com todos os membros do grupo, aumentando o feixe de relações e misturas. Desses povos surgiram os brasilíndios e, logo depois, os bandeirantes, conhecidos por sua história de violência.

O processo violento, por sinal, é uma das palavras-chave definidoras da formação brasileira, em especial, quando refletimos sobre a inserção dos povos africanos, oriundos da diáspora forçada e do estabelecimento do regime escravocrata com ressonâncias ainda na atualidade. Darcy Ribeiro descreve que a diversidade linguística dos africanos e a postura política de seus “donos” em evitar a concentração de indivíduos de uma mesma origem étnica em um mesmo espaço foi um dos pontos responsáveis, dentre tantos, pela marginalização desta identidade. Para o antropólogo, a contribuição da cultura negra na identidade dos brasileiros está em múltiplos planos, desde as crenças religiosas aos elementos musicais e gastronômicos. Diante de tanta complexidade neste desenvolvimento de identidades, o escritor apresenta o termo “ninguendade”, para explicar que os mamelucos, afro-brasileiros e brasilíndios se viram numa verdadeira “terra de ninguém”, mistura de culturas e referências que os forçaram a buscar na criação de uma identidade o caminho para melhor se compreenderem socialmente.

Diferentemente de Gilberto Freyre, para Darcy Ribeiro, a mestiçagem não permitiu um esquema de democracia racial por meio de um caldeirão de misturas, ao contrário, para o autor, a existência de uma democracia do tipo pedia, antes de tudo, uma democracia social. Ao explicar, delineia que a estratificação de classes que demarcou a nossa história trouxe um violento panorama de desigualdade entre ricos e pobres, com a concentração de riqueza para uns e a desumanização das relações de trabalho e sobrevivência diante da miséria para outros. Em meio aos temas expostos ao longo do livro, o antropólogo nos leva a questionar que país nós fomos capazes de inventar diante de tantas demandas de identidade. Não isento de críticas, Ribeiro foi severamente pressionado por pesquisadores acadêmicos, constantemente a apontar a maneira romântica que sua escrita reflete a mestiçagem, além de ser apontado como um autor que não colocou em suas teorias, referências mais contemporâneas sobre os temas debatidos, num ensaio que peca por deixar de lado uma série de considerações importantes sobre os tópicos expostos. Tudo isso, caro leitor, pode ser encarado como um ponto a ser pensado durante a leitura, mas que não anula a sua contribuição. É apenas um deslize humano, normal.

Editado em 1995, o livro foi fruto de uma vida de pesquisas, leituras e reflexões de Darcy Ribeiro. Isis Ferraz, a conselheira da fundação que leva o seu nome, também documentarista, transformou a empreitada em um didático filme documental lançado na televisão alguns anos depois, também veiculado em um DVD duplo. Tratado como o maior desafio de sua carreira, O Povo Brasileiro foi um trabalho de três décadas que embasa a sua teoria sobre cinco “brasis” distintos: O Brasil Sertanejo, o Brasil Crioulo, o Brasil Caboclo, O Brasil Caipira e o Brasil Sulino. Dividida em cinco partes ao longo de suas 472 páginas, a publicação lançada em meados da década de 1990 pela Companhia das Letras traz a seguinte esquematização: O Novo Mundo, Gestação Étnica, Processo Sociocultural, Os Brasis na História e O Destino Nacional. Dentro disso se espalha as considerações do autor sobre patronato, patriarcado, estamento gerencial, classes subalternas, bem como os oprimidos e marginais. Além disso, ainda contribui com reflexões pertinentes sobre o barroco e o gótico, nomes para racismo gestado pelas colonizações ibéricas e inglesas, respectivamente. Em linhas gerais, um clássico para ser lido e conhecido.

O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil (Brasil, 1995)
Autoria: Darcy Ribeiro
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 472

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