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Crítica | O Poderoso Chefão: Parte III

por Guilherme Coral
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O constantemente injustiçado O Poderoso Chefão: Parte III não deixa de ser uma ousada aposta de Francis Ford Coppola. Não pelo lado financeiro – é evidente que o filme traria o lucro desejado pelo estúdio, considerando a posição que os dois anteriores ocupam no “hall da fama” do Cinema. Coppola, de fato, arriscou ao tentar trazer algo diferente do primeiro e da Parte II, fugir da fórmula Michael Corleone emerge vitorioso para focar em sua redenção e, é claro, sua morte, considerando que o título pensado pelo diretor seria A Morte de Michael Corleone.

De qualquer forma, assim como seu antecessor, estamos diante de um filme que não existiria não fosse o fator primordial hollywoodiano: o dinheiro. Tanto a Paramount quanto Francis (como sempre) passavam por situações apertadas e precisavam que esse projeto emplacasse. Dito isso, os executivos encomendaram um primeiro tratamento do roteiro que focava quase unicamente em Vincent Mancini (posteriormente vivido brilhantemente por Andy Garcia), repetindo exatamente o que Coppola, quando recebeu o texto, decidiu descartar. O roteiro foi reescrito, então, a fim de trazer o que vemos hoje em tela, porém, com um final diferente, que você pode ler a respeito clicando no primeiro dos botões abaixo.

O final original de A Morte de Michael Corleone

A primeira versão do encerramento de O Poderoso Chefão: Parte III ocorreria pouco após a escapada de Michael com Kay pela Sicília. Michael, ao terminar de mostrar as origens de sua família teria sua ex-esposa o aceitando de volta. Pouco depois ele seria assassinado nos degraus da igreja, possivelmente da mesma em Corleone que vimos nos três filmes. Antes de morrer, Kay perguntaria a ele, “Michael, você está morrendo?” e Michael mentiria uma última vez, dizendo “não”.

A mudança ocorreu por Francis considerar este um final muito simples para Michael, que deveria pagar pelos seus pecados.

Francis, por sua vez, não engana o espectador e desde os minutos iniciais já deixa claro suas ambições para esse longa-metragem. A casa de Lake Tahoe é vista abandonada, utilizando um material que fora filmado antes mesmo da segunda parte ser rodada. Rapidamente enxergamos a estátua da Virgem Maria, introduzindo sutilmente a temática religiosa que seria abordada pelo restante da projeção. Preenchendo os corredores vazios e o silêncio da mansão, então, ouvimos a voz de um já envelhecido Michael Corleone (Al Pacino), nos oferecendo a premissa inicial do enredo: ele voltou para Nova York, irá ser homenageado pela Igreja e quer ter a presença de seus filhos na cerimônia. “A única riqueza deste mundo são os filhos” o ouvimos dizer e já começamos a entender a transformação que esse homem passou em sua idade avançada.

Um certo toque de fragilidade na voz do personagem, contudo, não é o único elemento que entrega sua mudança. Ao cortarmos para a cerimônia na igreja, Michael tem uma aparência completamente diferente. A velhice, é claro, chegou e seus olhos estão mais cansados que nunca, mas, além disso: seu cabelo. Não temos mais o típico cabelo liso de Pacino e sim um tratamento diferente para o protagonista, oferecendo um devido contraste entre a sua voz mais rouca – um corte que muito lembra o militar e garante uma imponência a Michael, além de nos deixar perceber que não se trata da mesma pessoa que deixamos após a morte de seu irmão Fredo.

A cerimônia

Michael apresenta um olhar cansado, evidenciando que suas ações no passado exerceram um grande impacto sobre ele. Ainda assim, vejam o olhar de orgulho de seus filhos, quebrando o grande medo de perdê-los que o pai sempre teve. Além disso, Mary já é apresentada como uma figura pura, com um contrastante lenço sobre a cabeça.

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Nas entrelinhas se torna evidente que o Padrinho utiliza essa homenagem para trazer de volta a família que ele perdeu e essa tristeza que parece assolar o personagem durante a cerimônia o deixa quando se faz realidade o que sua mãe dissera no filme anterior – “sua família, você jamais irá perder”. Corta para a costumeira festa Corleone. A diferença, porém, é óbvia: não estamos mais em um amplo terreno e sim dentro de um apartamento – evidenciando novamente a passagem do tempo. Mas o principal fator disso jamais é dito em palavras: não temos mais o contraste entre o dentro e o fora – todos fazem parte da mesma hipocrisia – o mundo dos Corleone agora se mistura e a única parcela de ilegitimidade é tratada dentro da sala de Michael, que, não por acaso, é a mais escura de todas. Tal lógica se mantém durante toda a obra, trazendo, em geral, uma maior escuridão quando os negócios da Família estão sendo tratados.

É curioso observar que, apesar de Mike ter conseguido legitimar a Família (o movimento final ocorre durante a reunião com os chefes da máfia neste filme), objetivo que tivera desde que voltou da Itália em O Poderoso Chefão, sua sala está mais similar que nunca à de seu pai. Paredes de madeira, venezianas separando do mundo de fora e luz fraca preenchem o local. Para finalizar, um aquário, muito similar àquele de Vito no final do primeiro filme. Trata-se de um homem que retoma suas origens, tenta voltar a ser quem ele era e um pouco do que seu pai fora. “Por que eu fui tão temido e você tão amado” ele se pergunta, posteriormente, ao lado de Don Tomasino, pensando, é claro, no amor que todos sentiam por Don Vito.

Mas para nossa surpresa algo quase onírico ocorre durante a festa – em uma dança com sua filha todos gritam “cent’anni”, olhando para aquele homem que matara seu próprio irmão com o amor que ele tanto sentiu falta. Gordon Willis registra esses momentos com um certo toque de surrealidade, com um close nos rostos de cada um e um movimento rápido de câmera. Pela primeira vez em muito tempo vemos Michael Corleone sorrir com os olhos, tirando o peso de sua persona e o temor que sentimos dele. Coppola constrói, enfim, seu argumento: não se trata do monstro visto em O Poderoso Chefão: Parte II e sim de um homem que busca se redimir.

O sorriso de Michael

Michael somente fora visto sorrindo genuinamente antes da morte de sua primeira esposa, Apollonia, em O Poderoso Chefão. Vejam como seus olhos exprimem a felicidade, algo completamente ausente na Parte II.

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O “caminho de volta”, contudo, evidentemente não será tranquilo. O filho bastardo de Santino Corleone (lembram das escapadas que ele dava no primeiro filme?), Vincent Mancini, entra em jogada, representando a retomada da jovialidade da Família e a ação do longa-metragem, que não poderia focar unicamente na fragilidade de um velho homem. Andy Garcia constrói uma das figuras mais fascinantes de toda a trilogia, um personagem que é trabalhado quase que inteiramente em segundo plano, sem nos ser oferecidos longas sequências de atuação solo. O homem que inicia de forma impulsiva e violenta, carismático e caloroso, filho de seu pai, aos poucos se transforma em uma figura centrada. Vincent, como dito pela própria Connie, tem a força de Vito e genuinamente aprende com Michael. Sua metamorfose, aos desatentos, pode parecer fugaz, mas é construída cuidadosamente.

Os minutos iniciais trazem o personagem com uma jaqueta de couro, contrastando com os ternos dos Corleone. Ele é, sobretudo, um menino das ruas, acostumado com a violência. Não é a toa que, por baixo da jaqueta temos uma camiseta vermelha, refletindo a agressividade do personagem, sua paixão, que garante a ele um portar quase animalesco. Quando digo que Garcia traz o melhor de seu personagem não é por acaso – ele se inspira nas atuações de James Caan, Marlon Brando e Robert De Niro, a fim de construir uma harmoniosa amálgama dos três. Ao mesmo tempo que ele morde o punho em momentos de fúria ele comanda com o olhar e traz movimentos mais sutis com a mão conforme avançamos na projeção. Chega a ser impossível não enxergarmos nele uma versão moderna daquele Vito Corleone que conhecemos nos princípios do século XX, na Parte II.

A metamorfose de Vincent

De cabelo mais descuidado e jaqueta de couro (com o vermelho em evidência em suas aparições iniciais), até um ar maior de formalidade, passando do terno até o smoking. Vincent, aos poucos, se transforma em uma forma de Vito Corleone.

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Vejam como a passagem de poder é construída aos poucos: Michael demonstra total confiança no sobrinho e vai ensinando a ele pouco a pouco como ser um Don. Quem mais ele confiaria para fazer sua barba?

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A ação animalesca de Vincent inspirada em Cavalleria Rusticana.

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Curiosamente, a ascensão de Vincent ao “trono” dos Corleone fora uma cena filmada após a conclusão das filmagens. Pedida pelos executivos da Paramount, Coppola realizou a emblemática sequência que firma o aposentar de Michael, passando adiante a batuta para um homem que novamente levaria a Família para o crime. É a falha de Mike dada vida, sua triste resignação, coroada pela sua saída quase que “à francesa” da sala juntamente de Connie.

Esse foco primário em Michael e secundário em Vincent, contudo, não são os únicos pontos abordados pela obra. O objetivo final de Mike é se tornar dono da gigantesca International Imobilliare (baseada, evidentemente, na Società Generale Immobiliare). Don Corleone, contudo, tem algumas pedras no sapato e uma delas e nada menos que a Igreja. Apesar da cerimônia de abertura, o Vaticano corrupto é um dos principais antagonistas da trama, evidenciando o quão poderosa é a Família agora. Coppola realiza uma ferrenha crítica à cabeças do Catolicismo, demonstrando que não estamos muito longe dos Bórgia, como o próprio Michael deixa claro em uma de suas explosões emocionais.

Já quem segura todas as cordas é o enigmático Don Lucchesi (Enzo Robutti), claramente um membro do alto escalão do governo italiano, possivelmente baseado no ex-primeiro ministro italiano Giulio Andreotti. Traçando um claro paralelo com o primeiro filme, Coppola deixa seu vilão quase que oculto durante toda a projeção, criando em nós a dúvida, o suspense, de quem está por trás de tudo – “nosso verdadeiro inimigo tem ainda de se revelar”. Em aliança com Don Altobello (Eli Wallach), Lucchesi se faz uma verdadeira ameaça durante o longa, nos trazendo, em constante crescente, o temor pela vida de Michael.

Os antagonistas

Os verdadeiros vilões da Parte III, com Don Lucchesi e o Arcebispo à cabeceira da mesa, emulando o que vimos em O Poderoso Chefão, quando Don Barzini ocupava tal posição.

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Fica claro, portanto, que A Morte de Michael Corleone seria muito mais que somente o fim de sua vida. Francis queria não só encerrar a história desse icônico personagem e sim desconstruí-lo completamente, de uma forma que pouco vemos no Cinema como um todo. Aqui nesta Parte III enxergamos, enfim, as consequências de seus atos, trazendo repercussões não só de seus inimigos, como de sua própria consciência, que não consegue superar o assassinato de Fredo. Mas dentro de toda essa culpa, esse medo pela salvação de sua alma, Michael ainda tem um último reduto: seu filho Anthony (Franc D’Ambrosio) e, sobretudo, sua filha Mary (Sofia Coppola).

Entramos, portanto, no aspecto mais controverso de todo o filme. A escalação de Sofia Coppola, filha do diretor, como uma das personagens centrais. Os hábitos nepotistas de Francis, de fato, se fazem presentes desde O Poderoso ChefãoSeu pai, Carmine, junto de Nino Rota, compôs grande parte das músicas dos três filmes (sendo o principal maestro na segunda e terceira parte) e sua irmã Talia Shire viveu brilhantemente Connie Corleone ao longo dos anos, se transformando de uma figura frágil até uma poderosa mulher. Qual seria o problema, então, de ter Sofia como Mary? De fato, nenhum se sua atuação não comprometesse diversos aspectos da obra.

Evidentemente Coppola, após perder Winona Ryder, que estaria no papel, optou por uma saída diferente. Mary fora baseada em sua filha e o diretor queria alguém que transmitisse toda a ingenuidade e naturalismo da personagem – escolheu, portanto, Sofia. O fato de se tratar de uma não-atriz pedia um trabalho mais meticuloso de direção, mas, em diversas cenas, isso parece faltar, seja pela pressão exercida pelos executivos em cima da menina, seja por própria falha de Francis. Apesar disso, o trabalho de Garcia e Pacino juntamente da garota minimizam tais defeitos ao ponto que , muitas vezes, não os percebemos ou os relevamos. Mary é a peça shakespeariana que faltava nesse tabuleiro dos Corleone e, mesmo com tais falhas, ela exerce seu papel, ao passo que o filme, em uma visão geral, não sai prejudicado.

Por fim, vamos contemplar a morte em si de Michael. Coppola conduz brilhantemente a tensão no espectador, construindo um suspense de forma similar ao que faz em relação aos antagonistas. Primeiro a diabetes é inserida, fragilizando ainda mais o personagem, que não só tem sua saúde colocada em cheque, como, em seu ataque cardíaco, revela todo o sofrimento que sua consciência esconde. Em seguida, o assassino Mosca (Mario Donatone) entra na jogada, sendo apresentado como um homem que nunca falha. O clímax da obra, então, pela primeira vez na trilogia, coloca Michael como um dos alvos, nos fazendo esperar, a cada segundo, pelo seu assassinato. Mas, como dito antes, a morte do protagonista seria muito mais que apenas o fim de sua vida e, com a morte de Mary, Mike sofre um golpe do qual não pode se recuperar. O restante de sua vida ele apenas sobrevive.

A cena em si é, obviamente, a mais dramática de toda a obra, fazendo uso quase que diegético de melodias da Cavalleria Rusticana, que também são usadas durante todo o clímax a fim de compor a tensão em tela, de forma similar ao que vimos nos antecessores. O trabalho de edição chama a atenção por tirar uma a uma as camadas do som, deixando o grito de desespero de Michael se desfazer em silêncio. A retomada do som amplifica ainda mais a dor da sequência, destruindo, de vez, a pessoa que foi Michael Corleone, em uma atuação de Pacino merecedora de sua indicação ao Oscar. É interessante notar que o sofrimento do protagonista é tão grande que ele chega a ofuscar a morte da garota, ao passo que os personagens à sua volta passam a olhar com espanto para ele e não para Mary caída sem vida nas escadas do teatro. Kay, interpretada por Diane Keaton, com uma simples mudança no olhar, nos faz enxergar que Michael, de fato, morreu ali.

A Morte de Michael Corleone

Vejam a sequência de olhares de Kay e Connie para Michael em agonia. O quarto quadro deixa claro como sua vida abandonou seu corpo – ele fez tudo pela família e acabou perdendo o que mais amava. Definitivamente um encerramento mais dramático que o originalmente traçado.

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Um curto epílogo se segue, com flashbacks do personagem dançando com sua filha, sua primeira esposa, Apollonia e Kay. Uma transição, então, nos leva para um Michael ainda mais velho, do lado de fora de sua casa na Sicília, onde viveu com sua primeira esposa. A narrativa, então, abre a possível interpretação de que todos os três filmes foram essa lembrança de Michael, olhando para o passado em seus momentos finais, tentando enxergar onde ele falhou, o que poderia ter feito a fim de não terminar ali sozinho na companhia apenas de dois cachorros. Como uma cortina se fechando, com dificuldade, ele coloca seus óculos escuros, se escondendo do mundo, no escuro, de uma vez por todas.

O Poderoso Chefão: Parte III é, sim, mais uma obra de arte de Francis Ford Coppola e digno de encerrar uma das trilogias mais icônicas do Cinema. Um filme que já é injustiçado somente por não ser considerado no mesmo nível dos dois anteriores. Cada obra é produto de seu tempo, seu contexto. Coppola fugiu do óbvio e nos entregou um longa-metragem ousado, fora da fórmula “básica” do Padrinho e que merece ser assistido e reassistido, se tornando cada vez melhor a cada sessão.

O Poderoso Chefão: Parte III (The Godfather: Part III – EUA, 1990)
Direção:
Francis Ford Coppola
Roteiro: Mario Puzo, Francis Ford Coppola
Elenco: Al Pacino, Diane Keaton, Andy Garcia, Talia Shire, Eli Wallach, Joe Mantegna, George Hamilton, Bridget Fonda, Sofia Coppola, Raf Vallone, Franc D’Ambrosio, Helmut Berger, Don Novello, Richard Bright, Donal Donnelly.
Duração: 162 min.

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