Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | O Pequeno Príncipe (Adaptação em Quadrinhos, por Joann Sfar)

Crítica | O Pequeno Príncipe (Adaptação em Quadrinhos, por Joann Sfar)

por Luiz Santiago
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Eu confesso que peguei essa adaptação de O Pequeno Príncipe com algum preconceito. Não pela qualidade do trabalho do autor. Joann Sfar (de O Gato do Rabino) é um ótimo quadrinista e tem um traço de finalização sombreada e mais “solta e poluída” que dão aos seus desenhos uma graça e uma movimentação espetaculares. Não era isso. O meu impasse era se o autor iria conseguir capturar a mensagem da obra de Saint-Exupéry e não modificar ou adicionar elementos estranhos a ela. Depois de tantas experiências com adaptações literárias para diversas mídias, a gente fica bastante receoso.

Mas não demorou nem 10 páginas para eu colocar de lado as minhas suspeitas e abraçar a obra por completo. Ao término, pude comprovar o grande esforço e delicadeza de Joann Sfar ao trazer para a nona arte a profundidade da sexta arte, onde o princepezinho apareceu pela primeira vez, em 1943.

o pequeno principe sfar

Creio que o que mais preocupa fãs de obras originais que passam por adaptações é a seguinte questão: como [inserir aqui o nome do responsável pela adaptação] vai fazer [inserir aqui alguma coisa difícil de se imaginar em um mídia diferente da original]?. E convenhamos, é uma dúvida válida. No caso desta adaptação de O Pequeno Príncipe, a dúvida estava centrada, como já expliquei, na captura da delicadeza e profundidade do livro e depois, nas complicadas indicações narrativas de Saint-Exupéry, algumas resolvidas pelas aquarelas do autor e por informações detalhadas do texto, mas outras apenas sugeridas, como é o caso de todo o bloco de partida do príncipe para B 612, ao final do livro.

Para fugir da possibilidade de invencionices, Sfar procurou dar ao piloto/narrador o máximo de liberdade criativa possível — e essa liberdade não trai em nenhum momento a concepção primária do personagem — e investiu na mais fiel possível retratação do protagonista e dos homens e animais que cruzam o seu caminho durante a viagem. Não pude evitar imaginar que a adaptação cinematográfica de 1974, dirigida por Stanley Donen, teve grande influência sobre Sfar aqui, especialmente na forma como ele representa a Rosa, a relação entre o príncipe e o piloto e o desfecho da história. Só que diferente do filme de 74, os quadrinhos são ainda mais fieis à atmosfera do livro. Impiedosos, por assim dizer.

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Outro grande destaque dessa adaptação é a delineação de uma personalidade verdadeiramente infantil para o pequeno príncipe, sem retirar-lhe o caráter alienígena ou mágico, como queira. Ele zomba dos desenhos do piloto de maneira quase maldosa, quase comemora o fato de o avião ter caído no deserto (o quadro é assustador, com o príncipe rindo diabolicamente… Mas aquilo representa muito bem o fato de crianças rirem de algumas desgraças coisas de uma forma que nós, adultos, não entendemos) e alterna facilmente o tom sentimental de alegria para tristeza, chorando com facilidade e também facilmente encontrando algo para se divertir e sentir-se feliz. Junte a isso as expressões nos grandes olhos do garotinho e as posturas de seu corpo ao fazer perguntas e rondar as pessoas de quem deveria aprender alguma coisa e então temos a retratação perfeita para o que o livro nos apresenta, tanto em emoção quanto em composição do personagem.

Existe apenas uma página em toda a história que não me agrada (p.101), com as silhuetas do príncipe e do piloto marcadas por traços grossos sobre um fundo preto. Eu imagino que a página represente os olhos marejados do adulto no momento em que escreve, ilustra ou se lembra da cena, e por isso mesmo não consegue “ver direito” as coisas. Mas mesmo sob esse ponto de vista, não faz muito sentido tal aplicação ‘minimalista’ no meio de uma arte tão cheia de detalhes, com finalização mais grosseira (no bom sentido), com traços soltos, sombras e as excelentes cores de Brigitte Findakly iluminando o cenário e dando vitalidade dos personagens. À parte isso, todo o trabalho artístico de Joann Sfar é brilhante.

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Esta adaptação de O Pequeno Príncipe consegue dar vida a um dos personagens mais queridos da literatura de uma forma que realmente vale a pena ler e ter a obra em casa. O grande desafio, aqui, é conseguir lê-la apenas uma vez.

O Pequeno Príncipe (Le Petit Prince) — França, 2008
Roteiro: Antoine de Saint-Exupéry, adaptado por Joann Sfar
Arte: Joann Sfar
Cores: Brigitte Findakly
No Brasil: Editora Agir, 2008
110 páginas

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