De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Poucas questões são tão pertinentes e discutidas ao longo das eras quanto essas. O ser humano, no geral, tem dificuldade em aceitar que nem tudo precisa de explicação ou que o sentido pode estar muito além de nossa vã compreensão. A morte, assim como as outras questões recém citadas, é mais um ponto que nos causa inquietação. Quantas vezes já ouvimos para amar em vida e não na morte? Esse é o cerne de O Passado e o Presente.
O diretor português Manoel de Oliveira aposta principalmente nas técnicas cinematográficas para contar a história de Vanda (Maria de Saisset), uma mulher que não consegue se desprender da memória de Ricardo (Alberto Inácio), seu falecido marido, e tudo o que faz gira em torno da veneração do mesmo. Firmino (Pedro Pinheiro), seu atual companheiro, obviamente não gosta da situação e ainda é totalmente desprezado por sua esposa. O cômico disso tudo, se é que posso colocar assim, é que todo esse impasse eventualmente resulta na morte do amargurado Firmino, que passa a ter sua imagem venerada quando Vanda descobre que Ricardo esteve vivo todo este tempo (e agora assume o papel de menosprezado).
À primeira vista pode parecer confuso, mas a maneira como o realizador apresenta esse embate das atenções de Vanda entre vida e morte não deixa dúvidas quanto a veracidade da trama, mesmo que tenha um toque clichê aqui e acolá. O que vale grande destaque, no entanto, sequer é o roteiro, que é bastante simples, mas a parte técnica.
Assim como os extremos da vida e da morte, Oliveira utiliza técnicas que mesmo não necessariamente sendo opostas do ponto de vista cinematográfico, aqui o são. Peguemos, por exemplo, a graciosidade dos planos sequências do diretor ao longo da obra. Todos, sem exceção, carregam uma leveza contagiante responsável pela forma como ele retrata a vida. Do mesmo modo que esses planos carregam toda a graça da vida, são frequentemente interrompidos por abruptos cortes que quebram a continuidade tão repentinamente e, quase sempre, em momentos de nervos mais exaltados que fica claro a intenção do diretor: seus planos-sequência são a representação da vida; seus cortes, da morte.
Mas o português não se vale apenas disso para trazer às telas a vida e a morte. O som (e não só a trilha sonora) marca presença nos momentos mais alegres da projeção, assim como é substituído por mórbidos e longos períodos de silêncio quando a melancolia dá as caras. As cores vivas ou frias nas roupas das personagens; a forte luz solar ou sua quase inexistência; as plantas verdes e saudáveis ou marrons e enfraquecidas. Praticamente tudo nesta obra cruza frequentemente com seu oposto, sempre caracterizando a vida e a morte; o yin e o yang.
Os detalhes desta obra falam por si só, o que obriga aos espectadores não descolarem seus olhos em momento algum da história para captar todos os simbolismos (algo que pode requerer um pouco de esforço, já que o filme perde seu ritmo em alguns momentos). Até mesmo uma abordagem meio niilista sobre a importância das relações sociais de um dos personagens em determinado momento pode ser detectada (fora o constante aparecimento de um quadro com um homem de bigode que lembra e muito o filósofo alemão do século XIX e que recuso-me a aceitar que é mera coincidência).
Mesmo que conte com uma premissa simples, porém interessante, O Passado e o Presente tem seu forte nos detalhes carregados de simbolismos dos mais diversos, sendo o antagonismo entre vida e morte o mais evidente e corriqueiro. A atenção e o cuidado de Oliveira em representar essas questões tão pertinentes para nós sempre com a presença de seu par inverso quase que exclusivamente através dos detalhes é fascinante e torna essa obra do português um grande expoente em sua enorme carreira.
O Passado e o Presente, idem — Portugal, 1972
Direção: Manoel de Oliveira
Roteiro: Manoel de Oliveira, Vicente Sanches
Elenco: Maria de Saisset, Manuela de Freitas, Alberto Inácio, Pedro Pinheiro, Bárbara Vieira, António Machado
Duração: 115 minutos