Quando fiz a crítica de Explosivos, meu principal ponto de contenda foi que a série muito claramente só tinha material suficiente para um longa-metragem e olhe lá, e, agora, o inverso acontece com O Natal do Pequeno Batman, para mim obviamente um longa que deveria ser uma série ou, pelo menos, dois ou até mais episódios de uma minissérie. Mas, diferente de Explosivos, que é um vazio completo em todas as categorias, as aventuras do pequeno Damian Wayne como Batman Mirim (aliás, ele está igual ao Bat-Mirim…) têm seu valor tanto pela estética escolhida quanto pela simpática adaptação não oficial de Esqueceram de Mim que o roteiro de Morgan Evans e Jase Ricci basicamente é, pelo menos na primeira metade.
Cabe contextualizar o longa antes e explicar o porquê de ele ter surgido (do nada, vale dizer) no Prime Video e não em seu lar natural, que seria o HBO Max. O Natal do Pequeno Batman é uma das “vítimas” da mudança de direção na Warner imposta por David Zaslav, egresso do Discovery, que não sem razão entendeu logo de início que talvez haja mais dinheiro – ou menos perda de dinheiro, dependendo da obra – na licença de propriedades e na distribuição delas por serviços concorrentes do que na preservação intramuros de toda a rica Propriedade Intelectual da empresa. Isso resultou no sepultamento de diversas produções que estavam já em seu final, como é o infame caso do longa live-action da Batgirl e a produção e/ou licença de outras obras em estágios criativos diferentes, como são os casos de Caped Crusader, aguardada série animada do Batman criada por ninguém menos do que Bruce Timm, e outra que focaria em um Damian Wayne de oito anos fazendo estripulias por Gotham City que teria, como pontapé inicial, um longa metragem que acabou se tornando O Natal do Pequeno Batman. Ambas as propriedades foram compradas pela Amazon e serão efetivamente desenvolvidas em séries.
O que animação tem de mais marcante, obviamente, é sua arte baseada no trabalho altamente estilizado do cartunista britânico Ronald Searle, falecido em 2011. Corpos desproporcionais com torsos enormes e braços e pernas finas, penteados exagerados e normalmente tortos, feições extremas que contam com queixos e cabeças ou minúsculos ou gigantes e, no caso de personagens mais idosos como Alfred Pennyworth (voz de James Cromwell) e Pinguim (Brian George), pele flácida beirando o comicamente asqueroso são a regra aqui (a decrepitude especialmente de Alfred é sensacional e hilária). Além disso, as estruturas arquitetônicas seguem a mesma pegada extrema, com a Mansão Wayne transformando-se em uma exagerada catedral gótica e a fábrica de produtos químicos ACME ganhando roupagem quase steampunk, dentre outros, com automóveis e outros objetos sendo desenhados para harmonicamente se inserirem nessa escolha quase histriônica – mas sensacional – de estilo (reparem só no tamanho colossal do Batmóvel que faz o Tumbler parecer um Matchbox!) que ao mesmo tempo homenageia e (no mínimo) quintuplica a meta dos filmes do Morcegão por Tim Burton nesse quesito.
Isso, por si só, é razão suficiente para prestigiar O Natal do Pequeno Batman, mas o bom é que há mais a ser apreciado, como a técnica de animação que foge do padrão cansado das animações da DC atuais, apresentando algo realmente dinâmico que combina com os visuais enlouquecidos e a premissa que nos entrega um Batman já aposentado e barbado, com a voz suave e naturalmente “gente boa” de Luke Wilson, depois de livrar Gotham de todo o crime em razão do nascimento de Damian, que passa a ser a razão de sua existência e um Damian (Yonas Kibreab em um trabalho de voz mais do que inspirado) que é pura energia cinética encarnada, primeiro brincando como Batman na mansão com um saco de papel da cabeça no lugar de máscara e, depois, usando um uniforme feito especialmente para ele que, claro, se adapta ao seu diminuto tamanho. É como entrar em um realmente novo e fascinante mini-universo do Batman que poderia andar de mãos dadas com O Estranho Mundo de Jack.
No entanto, tudo em demasia cansa e, aqui, retorno ao meu comentário inicial sobre o formato de O Natal do Pequeno Batman. Toda a metade inicial é, como afirmei, galgada em Esqueceram de Mim. Batman, o paizão superprotetor, muito hesitantemente sai em missão para a Liga da Justiça fora da cidade e Damian aproveita a oportunidade para enganar Alfred de forma a livrar-se de seu guardião para ele treinar seriamente na mansão, o que acaba atraindo a atenção de dois ladrões que estão “fazendo a festa” nas casas da região. Só nessa aventura inicial, é perfeitamente possível sentir que o roteiro estica a narrativa o máximo possível para a história ocupar algo como 45 minutos, pelo que teria sido ideal a divisão da primeira metade em dois episódios (aos que assistiriam tudo de uma vez só, pelo que não faria diferença alguma, eu entendo, mas uma estrutura em capítulos seria muito mais atraente). A segunda aventura, que decorre da primeira, é mais padrão e também mais tumultuada e ainda mais cansativa que coloca Damian Wayne diretamente contra a clássica galeria de vilões de seu pai encabeçada, lógico, pelo Coringa (David Hornsby divetindo-se demais), em uma linha narrativa que se inspira no clássico infantil Como o Grinch Roubou o Natal, de Dr. Seuss. Se a primeira metade poderia ser dividida em dois episódios, a segunda ficaria melhor em quatro partes…
Se a franquia do Batman é naturalmente a mais explorada (e abusada) pela Warner e pela DC, que pelo menos a oferta de obras com o personagem e todos os seus bat-derivados seja realmente variada e diferente e isso O Natal do Pequeno Batman faz muito bem. Como longa-metragem, a obra tem problemas que muito claramente poderiam ser corrigidos com a adoção de outro formato, mas isso não é razão para o espectador deixar de refestelar-se com hilárias caricaturas animadas de personagens tão conhecidos, especialmente considerando que basta pausar o filme no meio (algo que não gosto de fazer, mas que, aqui, faz sentido) e retornar no dia seguinte para mais aventuras enlouquecidas do pequeno Damian.
O Natal do Pequeno Batman (Merry Little Batman – EUA, 08 de dezembro de 2023)
Direção: Mike Roth
Roteiro: Morgan Evans, Jase Ricci
Elenco: Yonas Kibreab, Luke Wilson, James Cromwell, David Hornsby, Dolph Adomian, Brian George, Therese McLaughlin, Chris Sullivan, Cynthia McWilliams, Michael Fielding, Natalie Palamides, Reid Scott, Fred Tatasciore, Bumper Robinson, Courtenay Taylor, Issac Robinson-Smith, Roger Craig Smith
Duração: 92 min.