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Crítica | O Mundo Perdido, de Arthur Conan Doyle

Bem vindos ao platô jurássico!

por Ritter Fan
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Arthur Conan Doyle uma vez disse quem se em 100 anos, ele somente fosse conhecido por ter criado Sherlock Holmes, ele consideraria sua vida um fracasso. Holmes, como todo mundo sabe, é inegavelmente sua criação mais famosa e a publicação serializada de Um Estudo em Vermelho, em 1887, foi o momento de virada em sua então ainda débil carreira de escritor. Mas Doyle fez de tudo para desvencilhar-se do rótulo de criador do maior detetive da ficção, escrevendo poesia, obras históricas, peças de teatro e chegando até mesmo a matar seu famoso personagem, somente para ser obrigado, por clamor popular, a ressuscitá-lo oito anos depois. E ele também tentou criar outros personagens que figurariam em várias de suas obras literárias, com seu maior sucesso talvez sendo George Edward Challenger, mais conhecido como Professor Challenger, que surgiria em O Mundo Perdido, publicado também em forma serializada, em 1912.

Como Holmes, Challenger foi inspirado em uma pessoa real da convivência de Doyle, no caso específico duas pessoas, o explorador Percy Fawcett, seu amigo, e o professor de fisiologia William Rutherford que lecionou na mesma faculdade onde o autor estudou medicina e, como Holmes, Challenger é marcado por sua arrogância, pretensão e tendência ao isolamento social, ainda que os dois personagens sejam fisicamente bem diferentes, com Challenger sendo maior, mais imponente e mais velho do que Holmes. Um cientista especializado em zoologia, Challenger é considerado por seus pares um cientista excêntrico, algo que uma recente expedição para a América do Sul só agravara. E é essa expedição – ou o relato dela – que o efetivo protagonista de O Mundo Perdido, o jornalista Edward Malone, tenta extrair de Challenger como parte de seu projeto pessoal de conseguir missões impossíveis de seu empregador para impressionar a mulher que ama.

O romance, então, começa de maneira diferente e pitoresca, com Malone fazendo de tudo para convencer seu editor a lhe passar uma tarefa complexa, seu editor finalmente decidindo por uma entrevista com Challenger e o repórter, então, partindo para cumprir a missão fingindo ser um estudante, o que lhe vale uma recepção violenta seguido de um surpreendente convite do arredio professor para que ele retorne à sua casa depois que o jovem se recusa a prestar queixa à polícia. E, do pitoresco, o romance entra na órbita do estranho, com Conan Doyle basicamente “estragando a surpresa”, por assim dizer, ao fazer o Professor Challenger contar o teor da expedição que participara e durante a qual descobrira um assombroso “mundo perdido” povoado de dinossauros vivos. O detalhamento da descoberta é substancial já no início do livro, o que é definitivamente uma abordagem diferente e, diria até, frustrante do autor por esvaziar um pouco o retorno de Challenger à América do Sul, desta vez ao lado de Malone e do Professor Summerlee, seu maior rival, na expedição que, então, toma o restante da obra.

O desdobramento de eventos é, por assim dizer, uma versão mais espalhafatosa, com mais dinossauros, mais ação e mais tiros de Viagem ao Centro da Terra, que Jules Verne publicara quase 50 anos antes, só que não em um gigantesco “buraco” abaixo da superfície terrestre, mas sim em um platô perdido na Floresta Amazônica. O espírito de aventura é bem explorado por Conan Doyle, com uma boa sucessão de obstáculos que exige saídas até engenhosas por parte de Challenger e demais, mas o espírito de descoberta, inegavelmente mais importante em uma obra desse tipo – pelo menos para mim – é reduzido justamente pelo relato expositivo da primeira expedição que basicamente abre o romance. Enquanto Verne trata todas as descobertas do Professor Otto Lidenbrock e de seu sobrinho Axel com um marcado senso de deslumbramento, algo que, vale dizer, se repete em Jurassic Park, de Michael Crichton, só para ficar no mesmo subgênero literário dos curiosamente raros “livros de dinossauros”, Doyle parece se autossabotar nesse aspecto.

Mas o romance peca também pela maneira como ele lida com a relação entre os personagens. Falta vivacidade nas conexões humanas e tudo parece depender quase que exclusivamente em surpresas e reviravoltas de tempos em tempos para reacender a chama do interesse do leitor e para trabalhar os laços entre Challenger e os demais. Não é lá muito diferente de boa parte das histórias de Sherlock Holmes, muito sinceramente, mas as conexões entre Holmes e Watson e entre os dois e os demais personagens, tanto os fixos quanto os volantes, parecem mais genuínas e naturais desde o início, o que não é caso em O Mundo Perdido, em que essas relações são muito subsidiárias aos eventos chocantes da aventura amazônica do grupo. Ainda é inegavelmente uma diversão literária pré-histórica muito boa que bebeu de fontes pretéritas e tornou-se fonte de tantas outras obras posteriores, mas O Mundo Perdido tem toda a aparência de um conto estendido para muito além do que deveria do que um romance pensado e construído como tal.

O que posso dizer sem sombra de dúvida é que, 137 anos depois de Sherlock Holmes surgir triunfalmente no mundo literário, ele continua sendo muito de longe o mais famoso – e melhor – personagem criado por Arthur Conan Doyle e, provavelmente para a maioria esmagadora das pessoas, o único efetivamente associado com ele. O Professor Challenger pode até ser interessante e O Mundo Perdido uma obra simpática, especialmente para quem, como eu, nunca deixou de gostar de dinossauros desde tenra idade, mas Holmes continua sendo mesmo sua grande criação. E vamos combinar que qualquer pessoa ser lembrada positivamente no mundo todo “às vésperas” de completar 100 anos de sua morte (Doyle faleceu em 1930) já é um feito e tanto.

O Mundo Perdido (The Lost World – Reino Unido, 1912)
Autor: Arthur Conan Doyle
Editora original: Hodder & Stoughton (Strand Magazine)
Data original de publicação: abril a novembro de 1912
Editora no Brasil: Editora Todavia
Data de publicação no Brasil: 17 de maio de 2018
Tradução: Samir Machado de Machado
Páginas: 296

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