Primeiro veio o convite da Citroën. Sob direção de Christian Bailly, o departamento de marketing da empresa resolveu adotar, em 1983, um outro tipo de estratégia para a formulação dos brindes de final de ano oferecidos às concessionárias. Muito fã do trabalho de Moebius, Bailly fez com que encomendassem ao artista um portfólio. Após uma hesitação inicial ao receber o convite, Moebius se deu conta de que poderia utilizar a oportunidade para criar algo “divertido e interessante“, como ele mesmo definiu. Assim foram plantadas as sementes da série O Mundo de Edena, cujo primeiro volume, Na Estrela, também recebeu o título de Um Cruzeiro Citroën.
Como toda a ficção científica de Moebius, Na Estrela é uma história difícil de explicar, de estabelecer em uma única interpretação. No encadernado brasileiro lançamento pela Editora Nemo, em 2013, temos como introdução a história curta intitulada Consertos, que serve como prólogo para os eventos da aventura principal. Ali, conhecemos a dupla Stel e Atan, que param para consertar um “Mestre dos Caminhos”, nave-pessoa que cruza sem parar (bom, a não ser quando tem problemas técnicos e/ou emocionais) as estradas sem-fim do planeta Stirinx. Em primeiro lugar, é impossível ignorar o caráter onírico e também simbólico da história, mas é igualmente evidente que o autor procurou tornar o conserto uma espécie de “encontro consigo mesmo”, optando por um encerramento o mais objetivo possível. É como ver algo de grande profundidade acontecer, mas expresso de uma forma para que todo mundo entenda.
Daí partimos para a história principal. A mesma dupla de Consertos — dois astronautas humanos, num futuro muito distante — chega a um asteroide, onde tinham um compromisso empresarial. Ocorre que está tudo silencioso. Não existem naves na órbita. Algo ruim parece ter acontecido. O roteiro nesse segmento joga com todo o suspense possível, mudando, inclusive, a linha que apresentara no início do volume e que voltaria a mudar na reta final, ganhando uma abordagem mística. O leitor não sabe o que espera os dois astronautas e nem que tipo de “surpresas” esse asteroide e o planeta que ele orbita podem trazer, mas tudo é mostrado de tal forma que a curiosidade vence a cautela e a gente quer que a dupla investigue o lugar.
Além disso, Na Estrela consegue chegar a um alto nível de conceitos e situações tendo o mínimo possível de narrações e diálogos e, algo ainda mais curioso, uma linha clara de porte ainda mais minimalista, algo que o próprio autor disse que adotou por conveniência, na época, e que acabou sendo um caminho para que ele melhorasse os traços individuais, focando menos na miríade de detalhes para o cenário e destacando melhor outras coisas, outros tipos de composição. Esse trabalho visualmente mais “simples” (entre aspas, porque mesmo que o próprio Moebius tenha usado tal definição, existem quadros aqui com um cuidado e riqueza nas exposições que definitivamente não podem ser chamados de “simples”) vai ganhando força até chegar ao extremamente elegante e poderoso final, com a Nave-Estrela.
A pirâmide que a dupla de astronautas encontra nesse planeta onde cai o asteroide é uma Nave-Estrela viva, “encarregada de transportar uma amostra completa de todos os seres pensantes da Galáxia“. Rapidamente, a história revela um ar messiânico, épico, como se estivesse guardando isso para o momento propício. O final, contudo, é um tantinho incômodo pela maneira abrupta com que nos deixa. Há informações demais, significados demais (e que podem mudar de leitor para leitor) para simplesmente ficarmos ali, “sozinhos”, vendo a Nave-Estrala ganhar outras formas e partir. O encontro em Edena é a coisa que o leitor mais almeja ao terminar esse primeiro tomo. Uma viagem para o começo de outra viagem. Dentre os muitos significados que este volume possa ter, podemos pensar em uma metáfora para os ciclos da vida e as surpresas que nos aguardam no Planeta-Paraíso. Chegar em Edena é preciso.
Le Monde d’Edena: Sur l’Étoile (Une croisière Citroën) — França, dezembro de 1983
Editora original: Les Humanoïdes Associés
No Brasil: Editora Nemo, 2013
Roteiro: Moebius
Arte: Moebius
Cores: Mobeius, Claudine Giraud, Domdom, Frayzic, Bernard Hugueville
Capa: Moebius
64 páginas