Depois de ser ignorado por seu trabalho em O Matador, de 1950, o jovem Roger Corman partiu para estudar na Europa e, quando voltou aos EUA, decidiu arregaçar as mangas para trabalhar de maneira independente no audiovisual. Ele conseguiu vender um roteiro (ou um argumento) para o que acabaria sendo Consciência Culpada, de 1954, e trabalhou de graça como assistente de produção no filme para ganhar experiência. Com o dinheiro que obteve com o roteiro, ele, então, conseguiu empréstimos para verdadeiramente começar sua notável carreira de décadas produzindo, escrevendo e dirigindo filmes. O Monstro do Fundo do Mar (no original Monster from the Ocean Floor) foi o primeiro longa – na verdade pouco mais do que um média metragem se quisermos ser técnicos – inteiramente produzido por Corman e lançado ainda em 1954, interessantemente o mesmo ano que, alguns meses depois, testemunharia o nascimento de Godzilla do outro lado do Oceano Pacífico.
Aliás, é muito curioso que haja outros paralelos entre O Monstro do Fundo do Mar e Godzilla para além do ano de lançamento. Além de serem monstros marinhos e “do mesmo oceano”, o roteiro escrito por Bill Danch a partir de uma ideia de Corman dá a entender que a criatura de um olho só e vários tentáculos é fruto – de uma forma não explicada ou desenvolvida – de testes nucleares no Atol de Bikini, deixando evidente que o legado e a ameaça nucleares compreensivelmente estava no imaginário da época. Seja como for, o trampolim para o filme não foi o monstro, mas sim Corman lendo o jornal e encontrando um artigo sobre um minissubmarino a pedal para uma pessoa fabricado pela empresa Aerojet General que ele, ato contínuo, contatou e propôs usar o gadget sem custo, apenas com a menção à empresa nos créditos de abertura, o que foi prontamente aceito. Isso, então, levou o produtor a conceber um filme que justificasse o uso da geringonça.
Porque é bem isso que vemos em O Monstro do Fundo do Mar, um filme claramente enamorado pelo submarino de fibra de vidro pilotado pelo biólogo marinho Steve Dunning (Stuart Wade) que esbarra em Julie Blair (Anne Kimbell), uma artista americana, nadando na costa mexicana e que acabara de ouvir uma história de um menino local sobre um monstro marinho que teria levado seu pai embora. O que segue, daí, é Julie obcecada em descobrir se o monstro é real e Steve basicamente dizendo que ela não tem mais o que fazer a não ser falar bobagens daquele jeito bem “educadamente machista” de ser. Não é sequer possível dizer que existe um roteiro completo, pois a história não tem nuances, não progride efetivamente. O que vemos é, apenas, uma sucessão de manobras audiovisuais por parte do diretor Wyott Ordung para atrasar a aparição do monstro, seja com o uso do submarino ou com as aparições de animais marinhos normais, como um polvo e um tubarão, para que, então, o espectador tenha um vislumbre de segundos da criatura com o uso de desenho sobre celuloide na metade da projeção para preparar para a chegada do “bicho semi-animatrônico” na sequência climática final (e o mistério nem faz muito sentido, pois todos os cartazes do filme mostravam o monstro em destaque).
É evidente, também, o baixo orçamento, mas isso não deve ser impedimento para a apreciação do que Corman produziu com basicamente troco – os relatos dos valores gastos com o filme oscilam entre 12 e 30 mil dólares, dependendo da fonte consultada -, pois chega a ser surpreendente o quanto as sequência submarinas são boas nesse contexto. Sim, os diálogos são muito fracos e as atuações exigem muita boa vontade do espectador, mas a “ação” marinha, apesar de também ser repetitiva e, desconfio, filmada em ambiente controlado como alguma piscina ou tanque de águas turvas, são interessantes, com o curioso submarino sendo a “estrela” real, assim como o monstro ao final que é derrotado de maneira simples e rápida, mas ainda assim com uma certa elegância.
Roger Corman, com O Monstro do Fundo do Mar, inaugura seu estilo de produção barata, filmada com elenco desconhecido em poucos dias em locações “exóticas” e contendo um chamariz fácil qualquer. E a coisa funciona, tanto que ele mesmo, certamente criando sua própria versão da história, disse que nunca perdeu dinheiro com filme algum e até escreveu um livro autobiográfico com esse título (How I Made a Hundred Movies In Hollywood and Never Lost a Dime ou Como Eu Fiz Cem Filmes em Hollywood e Nunca Perdi um Centavo) que um dia precisa ser filmado por Hollywood, aliás. Com um polvo de um olho só, o grande mestre dos filmes independentes, começaria, então, uma carreira incrível navegando às margens de um sistema que originalmente o esnobou.
O Monstro do Fundo do Mar (Monster from the Ocean Floor – EUA, 1954)
Direção: Wyott Ordung
Roteiro: Bill Danch
Elenco: Anne Kimbell, Stuart Wade, Dick Pinner, Wyott Ordung, Inez Palange, Jonathan Haze, David Garcia, Roger Corman
Duração: 64 min.