Agatha Christie, a Rainha do Crime, faleceu em janeiro de 1976, aos 85 anos de idade. Em pouco tempo, muito material documental sobre a escritora começou a ser produzido e, nessa esteira, a jornalista Kathleen Tynan desenvolveu um projeto que pensou em levar para a BBC, a fim de que se tornasse um documentário com elementos de dramatização. O conteúdo explorado em seu texto era o jamais explicado desaparecimento de Agatha Christie, em dezembro de 1926, seis meses após o lançamento do estrondoso O Assassinato de Roger Ackroyd, que ainda seguia muito comentado e muito vendido no país. Foi após um encontro com o produtor David Puttnam, ainda durante a pesquisa e processo de escrita desse documentário, que a jornalista reorientou a ideia, transformando-a num roteiro para um drama cinematográfico, que conseguiu ser produzido e estreou em fevereiro de 1979.
A família de Agatha Christie se colocou abertamente contra o projeto e tentou impedi-lo diversas vezes, também recorrendo a uma lei federal, alegando, dentre outras coisas, que o longa “violava o direito de publicidade do espólio da autora“. O filme também passou por inúmeros contratempos de bastidores, com o roteiro sendo modificado constantemente por Dustin Hoffman, que tinha participação criativa na produção por conta de acordos contratuais. Mesmo assim, o ator chegou a processar o estúdio, alegando “quebra de acordo“, pois, supostamente, ele não teve a liberdade criativa que lhe foi prometida. Curiosamente, para um filme com tanta interferência na escrita do roteiro (assinado oficialmente por Kathleen Tynan e Arthur Hopcraft, embora a lista de pessoas que trabalharam nele seja maior), O Mistério de Agatha consegue ter um andamento aceitável de eventos, e mesmo pecando no desenvolvimento, entrega aquilo que promete: uma interessante explicação fictícia para o que teria acontecido durante o desaparecimento da Rainha do Crime. [Para quem gosta do tema, indico também Agatha and the Truth of Murder, de 2018, que traz a mesma proposta].
O cineasta Michael Apted faz aqui uma mistura de romance com investigação e suspense, aproveitando-se de três elementos principais: o contexto, a personagem histórica e a ótima fotografia de Vittorio Storaro. Com essa junção, o diretor brinca com a percepção do público, passeando, em algumas cenas, por um leve ambiente de terror. No centro das atenções, temos a Agatha Christie de Vanessa Redgrave, que embora seja sentimental demais, ao menos tem consciência de seu status e empreende um “plano de vingança” que se revela algo inesperado para o público. Não creio que a essência da motivação da personagem crie uma discussão que valha a pena. Para um filme britânico de 1979, adaptando um drama familiar somado a um mistério de 1926, confesso que não esperava nada diferente. Já vi muita gente sustentar que Agatha Christie jamais teria a ideia de cometer suicídio e que o filme é uma representação muito machista da situação matrimonial e da escritora. Bem… de fato, é. Mas, dado o contexto da produção e da época representada, vê-se claramente a motivação do roteiro e da direção em guiar a obra por este lado.
Existem cenas muito boas aqui, especialmente as que colocam o jornalista interpretado por Dustin Hoffman interagindo com a escritora “desaparecida”. A dupla de atores é excelente e faz de seus momentos um verdadeiro deleite para o espectador, a despeito das reservas que se tenha diante da construção da personagem principal. Embora exista uma tentativa de manter bem fluída a relação entre a investigação (ou seja, o lado da polícia e do esposo da escritora) e o verdadeiro foco da fita, que é o cotidiano dela no hotel onde se hospeda, sentimos que falta algo na trama. Diria que esta falta é capitaneada pelo romance malfadado que até ganha algum espaço, que é parcialmente desenvolvido, mas se interrompe para dar lugar a coisas que pouco acrescenta ao enredo, a longo prazo. Talvez esta seja uma das consequências das mudanças constantes no texto, resultando numa reticência narrativa que deixa a obra sensivelmente incompleta, mas que não impede que o rumo dramático tenha o seu desenvolvimento e avance até se concluir com uma pitada de melancolia e maturidade.
O amor impossível e o período de “luto sentimental” da escritora podem ser vistos como inspirações para livros futuros — existem indicações narrativas e visuais disso ao longo do filme — fazendo deste desaparecimento um ato de libertação, confirmado pelo divórcio que ocorreu dois anos depois. O roteiro não esconde a tentativa da família em mascarar a situação, obedecendo a critérios sociais e tentando ao máximo evitar um escândalo de maiores proporções. Claro que há uma justificativa para isso (encabeçada pelo jornalista apaixonado), mas o resultado e o impacto caem sempre na crítica aos costumes, o que é bastante coerente com a abordagem final da direção. Ainda vemos uma Agatha abalada, ferida e imensamente movida pela tristeza do iminente divórcio, mas depois de tudo o que aconteceu nesse período de desaparecimento, a chave para a soltura de seus grilhões tradicionais já pode ser vista em sua mão.
Direção: Michael Apted
Roteiro: Kathleen Tynan, Arthur Hopcraft
Elenco: Dustin Hoffman, Vanessa Redgrave, Timothy Dalton, Helen Morse, Celia Gregory, Paul Brooke, Carolyn Pickles, Timothy West, Tony Britton, Alan Badel, Robert Longden, Donald Nithsdale, Yvonne Gilan, Sandra Voe, Barry Hart, David Hargreaves, Tim Seely, Jill Summers, Christopher Fairbank, Liz Smith, Peter Arne
Duração: 105 min.