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Crítica | O Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos

Emoção e ternura.

por Luiz Santiago
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Obra mais conhecida de José Mauro de Vasconcelos, O Meu Pé de Laranja Lima é um clássico romance infantojuvenil que, ao longo das décadas, acabou sendo muitíssimo mais apreciado pelo público adulto, dada a quantidade de camadas com experiências de vida, memórias e nostalgia que traz. Em 1970, o livro foi adaptado para o cinema, sob direção de Aurélio Teixeira. O enorme sucesso de público, já na primeira edição, também impulsionou a produção de três novelas, uma pela TV Tupi, em 1970, e outras duas pela Rede Bandeirantes, em 1980 e 1998. Ainda na linha da nostalgia, homenagem e resgate de um Universo infantil e popular brasileiro, outra adaptação cinematográfica foi realizada no ano de 2012, assinada pelo diretor Marcos Bernstein e tendo João Guilherme, José de Abreu e Caco Ciocler no elenco.

O protagonista aqui é Zezé, uma criança de cinco para seis anos de idade que tem uma família muito pobre e que é extremamente levado, o que o faz ser visto como “filho do diabo” pela vizinhança e por parte da própria família, de tão arteiro que é. Por ter um caráter fortemente autobiográfico, o livro acaba trazendo uma nuance muito real em sua estrutura, fruto do amor e fulgor com que José Mauro de Vasconcelos narra as aventuras e desventuras de Zezé, destacando as suas brincadeiras imaginativas, sua inteligência e as relações que vai construindo no decorrer do romance. Num estilo de fácil compreensão, o autor não tem aqui a preocupação de discutir temas socialmente importantes através de uma abordagem didática, engajada ou ferrenhamente destacada. A fome, o desemprego, a violência e certas práticas sociais questionáveis são percebidas pelo leitor ao longo dos capítulos e das experiências vividas pelo protagonista.

Em seu mundo de sonhos acordados, Zezé fez de um pé de laranja lima um amigo para todas as horas, a quem chamava Minguinho ou Xururuca, e a quem confessava seus segredos em longas conversas. Ao longo de todo o livro existe um componente de ternura que emociona o leitor, assim como emociona alguns personagens, como a professora de Zezé e o seu grande amigo Manuel Valadares, o Portuga. No entanto, nos deparamos também com outras camadas, que não podem ser ignoradas, a saber, a violência contra a criança (impossível não se enraivecer e não se impressionar com o tanto de espancamento que Zezé sofre, à guisa de “educação assertiva“), a miséria social, a exploração de trabalhadores e a escassez ou plena necessidade, indo da falta de afeto e moradia à alimentação e vestes paupérrimas.

No desenvolvimento da história, conhecemos alguns outros personagens a quem nos apegamos ou a quem dedicamos sentimentos muito fortes, pela maneira como interagem com Zezé. Nessa lista estão os irmãos do protagonista (Glória, Totóca e Luís — ou Rei Luís, o irmão mais novo e o personagem mais fofo do livro); o tio Edmundo, a mãe Estefânia Pinagé (uma mulher indígena que trabalha dobrado para sustentar a casa enquanto o marido não arranja emprego), o pai Paulo, um certo cantor de modas da época e o português dono de um carrão com quem Zezé terá uma relação muito próxima. A dualidade de formação da criança, de explanação de seus traumas e dores, exposição de suas alegrias e vontades; os caminhos que a fazem amadurecer… tudo isso consegue tocar na mais variada teia de sentimentos do público. Como a escrita é simples e o cenário é perfeitamente reconhecível por qualquer brasileiro, o senso de identificação é imediato, assim como a particularização que fazemos dos fatos abordados e, claro, as suas consequências para o menino.

A reta final de O Meu Pé de Laranja Lima está na lista das mais arrasadoras que podemos encontrar em um livro infantojuvenil. Os itens de fantasia do protagonista passam por uma grande metamorfose (inclusive o seu amor por faroestes) e indicam um novo ciclo para ele. Somos convidados a ver com novos olhos a árvore, o morcego, o pássaro, o trem, o “zoológico“, a “Europa“, a “pantera negra” e tantos outros elementos reais, imaginários ou ressignificados por Zezé e seus irmãos nas conversas e brincadeiras no quintal. A mudança na abordagem que o autor faz, deixando-nos conhecer sua própria voz nas últimas linhas do volume, me tirou um pouquinho da trilha de glória em que seguia até então, mas isso não conseguiu derrubar marcantemente a qualidade do livro. O Meu Pé de Laranja Lima é um clássico cuja leitura rápida, acessível e muito tocante nos faz voltar no tempo e ver, com o coração em constante mudança, uma vidinha vencer os maiores vendavais que uma criança pode atravessar. É daqueles livros capazes de nos fazer sofrer com nostalgia e nos alegrar com a esperança que nasce após a tempestade.

O Meu Pé de Laranja Lima (Brasil, 1968)
Autor: José Mauro de Vasconcelos
Ilustrador: Jayme Cortez
Editora original: Editora José Olympio
232 páginas

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