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Crítica | O Massacre Alemão da Serra Elétrica

Ai, como é boa a liberdade a todo custo!

por Luiz Santiago
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O Massacre Alemão da Serra Elétrica, obra de 1990 dirigida por Christoph Schlingensief, mergulha no turbilhão social da Alemanha recém-unificada, escancarando as feridas abertas de um passado que deixava um rastro quase doentio de marcas sociais, políticas e ideológicas. Com sua violência gráfica e absurda, a obra está para chocar o espectador com cenas do mais puro experimento solto, aberto a dezenas de interpretações. No entanto, também sabe provocar uma reflexão pontual e incômoda a respeito das cicatrizes deixadas pelo nazismo, pelo domínio das potências capitalistas (que nunca combateram, de fato, a herança do III Reich, especialmente nos cargos administrativos) e pelo domínio economicamente massacrante da União Soviética no lado oriental país.

O roteiro, também assinado por Schlingensief, não deixa o público se esquecer da reunificação (o filme começa justamente na noite de 3 de outubro de 1990), pois este evento histórico será basicamente a única coisa capaz de cimentar — de forma caótica, mas relativamente compreensível –, as escolhas para o desenvolvimento do enredo. Acompanhamos um grupo de alemães orientais que, buscando um recomeço em território das liberdades individuais e da grande prosperidade, atravessam a fronteira para a Alemanha Ocidental. No entanto, a promessa de liberdade e prosperidade se transforma em um pesadelo sangrento, quando se deparam com uma família de canibais psicopatas. Essa alegoria brutal coloca em xeque a cartilha dos discursos propagados pela Alemanha Ocidental, revelando uma face obscura por trás da cortina de fumaça da reunificação e das palavras que, na prática daquele contexto, não diziam exatamente nada, como “democracia”, “nacionalismo” e “povo”.

O espectador não deve esperar nada fácil aqui. Existem cenas gratuitas ou que pouco servem para desenvolver os personagens e expor suas manias e podridões. No todo, porém, essas cenas sanguinolentas funcionam como um espelho que reflete a violência latente e silenciada de uma sociedade que carregava consigo um estigma histórico. Schlingensief, com câmera ágil e cortes rápidos, cria uma atmosfera claustrofóbica e angustiante, aprisionando personagens e espectadores num ciclo de horror cujo vazio, no fim das contas, acaba fazendo sentido para o contexto. A escolha da serra elétrica como símbolo da violência não é fortuita. Além de referenciar o filme de Tobe Hooper, ela remete a um dispositivo de extermínio eficiente, ironicamente utilizado para tirar de cena tudo o que é considerado “ameaçador” — e enquanto fazem isso, os “filhos obedientes da nação” precisam fazer silêncio para “não acordar o papai”, que está sempre dormindo, num quarto do covil familiar.

A família de canibais, com sua mentalidade deturpada, é a parcela da sociedade alemã que ainda nutre os ideais de supremacia e ódio, e que nunca se satisfaz com a morte dos que consideram “invasores“. A trupe teatral de Schlingensief encarna muito bem essa persona social, entregando performances tão malucas quanto a ideia geral do filme, reforçando o grito de alerta e o chamado à consciência para que toda a nojeira exterminadora do passado fosse lavada do país — contudo, o diretor não é otimista, e não dá nenhum indício de que as coisas realmente irão mudar. Em O Massacre Alemão da Serra Elétrica, o grotesco e o absurdo são ferramentas para expor as feridas de uma nação e provocar a reflexão sobre a fragilidade da liberdade (que todos querem, embora rejeitem a obrigatória responsabilidade que a liberdade traz), além da importância de manter viva a memória, para que a lavagem cerebral das ideologias, os abusos de toda ordem e a trilha de extermínio não sejam o “novo normal” floreado de uma sociedade que parece renascer, mas que, na prática, é apenas uma morta-viva.

O Massacre Alemão da Serra Elétrica (Das deutsche Kettensägenmassaker) — Alemanha, 1990
Direção: Christoph Schlingensief
Roteiro: Christoph Schlingensief
ELenco: Karina Fallenstein, Susanne Bredehöft, Artur Albrecht, Volker Spengler, Alfred Edel, Brigitte Kausch, Dietrich Kuhlbrodt, Reinald Schnell, Udo Kier, Irm Hermann, Eva-Maria Kurz, Ingrid Raguschke, Kurt Wiedemann, Renate Koehler, Sergej Gleithmann
Duração: 63 min.

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