Esta edição de Dampyr, intitulada O Mar da Morte, nos conduz a uma narrativa que mantém o ritmo intenso das últimas histórias da série, ambientadas nos Estados Unidos (o arco O Bando dos Mortos-Vivos e Vegas), mas com uma mudança de cenário, atmosfera e caráter mais denso no impasse a ser resolvido. Aqui, acompanhamos Harlan Draka e seus amigos num enredo repleto de ação, suspense e eventos sobrenaturais, emoldurado por uma paisagem assombrosa e decadente, afetada por transformações da natureza causadas pela drenagem do Mar de Aral, no Uzbequistão. Alessandro Bocci, em sua primeira contribuição para a série, traz uma abordagem visual que nos leva a um bom patamar de imersão, guiando-nos por uma missão de tirar o fôlego.
A trama se desenvolve em torno de uma investigação que mescla espionagem industrial, ação frenética e sobrenatural. Os guerrilheiros do Movimento Islâmico do Uzbequistão (IMU, em inglês), são citados como pano de fundo, um problema político em andamento, do qual os visitantes precisam fugir. A esta ameaça permanente temos a adição dos laboratórios e experimentos da TemSek, uma multinacional que já mostrou sua face nefasta em Nêmesis. Essa escolha de Mauro Boselli por inserir elementos corporativos à narrativa oferece uma interessante camada de contemporaneidade à história (e digo isso porque as tramas de Dampyr sempre me parecem meio deslocadas do nosso tempo), lembrando-nos das complexas redes de poder que transcendem o campo de batalha tradicional. Ainda assim, essa crítica aos Senhores da Guerra e “cientistas malucos” é mantida em segundo plano, pois o foco recai sobre o espetáculo da ação onde três grupos diferentes lutam contra três tipos de monstros aterrorizantes.
É impossível ignorar a força visual desta edição. As ilustrações de Alessandro Bocci são ricas em detalhes nas expressões dos personagens e no preenchimento dos cenários, traduzindo perfeitamente a atmosfera lúgubre do Mar de Aral, cenário que carrega simbolismo histórico, lutas políticas de pescadores e pequenos produtores locais contra os latifúndios de particulares e do Estado, que desviam os afluentes do mar para irrigar suas plantações; e desolação sobrenatural. Os monstros apresentados, incluindo o Senhor da Noite Erlik Khan e sua criatura noturna, Kagyr Khan, são desenhados com uma ferocidade grotesca, amplificando o impacto visual das cenas em que aparecem. O artista captura bem a essência do medo e da inquietação; além disso, sua habilidade em retratar os momentos de interação entre os personagens dá fluidez à narrativa, equilibrando cenas de ação e momentos de introspecção.
Boselli encontra espaço para referenciar outros arcos da série, enriquecendo a mitologia de Dampyr. A menção aos “lobos azuis”, de Transylvanian Express (uma associação secreta neonazi, relativamente mística), e à busca de Martin De Vere por segredos capazes de replicar poderes de criaturas híbridas (me lembra um pouco Anton Arcane, de Monstro do Pântano) é um detalhe que leitores assíduos certamente apreciarão. Essas conexões reforçam a coesão do universo de Dampyr e criam pontes entre edições, mostrando que mesmo histórias focadas na ação não estão desconectadas do desenvolvimento mais amplo da série.
O texto não é marcado por grandes reviravoltas ou reflexões, mas é eficaz na construção de uma aventura dinâmica e divertida. A interação entre os protagonistas mantém o tom leve, com alguns diálogos e piadinhas internas envolvendo Kurjak e Tesla, equilibrando a intensidade da narrativa e proporcionando ao leitor uma pausa bem-vinda numa trama como essas. A estrutura do roteiro pode ser objetiva até demais, mas é funcional, entregando uma história que, ainda que não seja memorável no sentido mais profundo, entretém e satisfaz.
Local de ação: Uzbequistão (Tashkent e Muynak, região do Mar de Aral); Escócia (Sutherland)
Personagens principais: Harlan Draka, Tesla, Emil Kurjak
Dampyr – Vol. 31: O Mar da Morte (Il mare della morte) — Itália, outubro de 2002
Roteiro: Mauro Boselli
Arte: Alessandro Bocci
Capa: Enea Riboldi
No Brasil: Editora 85 (outubro de 2021)
Tradução: Júlio Schneider
100 páginas