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Crítica | O Louco Desejo (1969)

Um giallo psicológico.

por Luiz Santiago
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Em O Louco Desejo (originalmente intitulado Orgasmo, mas para confundir a vida do espectador, o longa recebeu o título de Paranoia, nos Estados Unidos) temos a primeira parceria cinematográfica entre o diretor italiano Umberto Lenzi e a atriz estadunidense Carroll Baker. Juntamente com os títulos Tão Doce Quanto Perversa (1969) e Os Ambiciosos Insaciáveis (Paranoia, no original — e aqui já se percebe a confusão normalmente feita entre esses filmes do diretor) o presente projeto forma uma espécie de trilogia informal, unida pelo gênero, o giallo, e por uma maneira particularmente cruel de o diretor tratar sua personagem principal. Em O Louco Desejo existe uma mistura de conflito ideológico de gerações, sadismo, libido exacerbada, golpe jurídico e assassinato, onde alguém faz de tudo para tomar posse da fortuna deixada por outrem.

O tema, como se vê, não é novo, nem mesmo dentro do gênero em questão, que ainda estava em sua primeira década. A própria Carroll Baker já vinha de um giallo bastante popular, lançado no ano anterior (O Doce Corpo de Deborah), que tinha a ganância em sua linha dramática, numa trama cheia de reviravoltas. Também em 1968, o diretor Vittorio Sindoni trouxera Herança Mortal, que lidava diretamente com a questão do dinheiro deixado por alguém, por conta de sua morte. O que traz a diferença entre essas obras é, claro, a assinatura de cada cineasta e a linha de abordagem que cerca esse problema já bastante antigo, não só no cinema, mas também na literatura. Aqui, ele aparece ligado à sexualidade, que acaba representando um papel ainda mais forte, e por muito mais tempo, no desenvolvimento do enredo.

A derrocada de Catherine West (Baker) é a linha central do texto, e o diretor não poupa a atriz aqui. Há que se elogiar tanto a atuação da artista quanto as boas escolhas da equipe de maquiagem, tornando a personagem pálida, com os lábios roxos e repleta de olheiras. A aparência luminosa (mesmo que visivelmente perturbada) da socialite que aparece no início da fita, é transformada em uma triste figura decadente, com falas que cada vez mais impedem que o público aproxime-se dela. As linhas da personagem são, muitas vezes, irritantes, mas há um propósito nisso. Ela é a encarnação de uma sociedade disfarçadamente doente, que se sustenta aos olhos de todos exibindo luxo e dinheiro. Uma persona que tem vertigens e passa mal quando é pressionada, mas que sente-se culpada ao dar vazão às suas fantasias sexuais, que são muitas. É toda uma camada social, com todas as suas falhas escondidas sob a máscara da riqueza, que se encontra com a rudeza, a violência, inconsequência e infâmia representada pelos jovens Peter (Lou Castel) e Eva (Colette Descombes).

Em seu livro Italian Giallo in Film and Television: A Critical History (2022), o ensaísta Roberto Curti faz uma interessante comparação deste filme com Teorema, de Pasolini, olhando para o fato de que uma figura abertamente sexualizada e dominadora chega a um ambiente estéril, inicia a conquista e traz a danação para a pessoa que goza desses bons momentos. É uma exposição moral, mas não no sentido negativo do termo. Pelo menos quando falamos da personagem de Carroll Baker. Já o mesmo não podemos dizer dos destinos da dupla de irmãos e do advogado Brian (Tino Carraro). No caso deste último, a forma seca, abrupta e sem nenhum tipo de contexto com que ele é “punido” representa uma grande perda na qualidade da película, justamente em seu encerramento. Já quando falamos da dupla, existe pelo menos o contexto da direção irresponsável, e mesmo que a exibição do acidente seja patética, não podemos dizer que se trata de algo sem propósito, apenas com a finalidade de trazer justiça rápida aos criminosos.

No decorrer do filme, há um tema musical recorrente (Just Tell Me, do grupo Wess & the Airedales) que vai recebendo uma sentido cada vez mais sombrio e angustiante, assim como as alucinações de Catherine, muito bem exploradas pela câmera de Lenzi e pela fotografia de Guglielmo Mancori. Esse tema surge em um cenário de libertação e satisfação, mas termina em um ambiente de abuso e tortura, quando o jogo vira para a socialite e tudo o que antes lhe trazia felicidade e prazer, passa a feri-la intensamente: o sexo, o álcool, as pílulas e a música são agora as armas que seus abusadores usam para enlouquecê-la. Em O Louco Desejo, o diretor se vale de um caminho narrativo psicológico, deixando a alta contagem de corpos de lado e entregando-nos um giallo sobre gaslight, libido e decadência física e moral.

O Louco Desejo (Orgasmo / Paranoia) — Itália, França, 1969
Direção: Umberto Lenzi
Roteiro: Umberto Lenzi, Marie Claire Solleville, Ugo Moretti
Elenco: Carroll Baker, Lou Castel, Colette Descombes, Tino Carraro, Lilla Brignone, Franco Pesce, Tina Lattanzi, Jacques Stany, Sara Simoni, Gaetano Imbró, Calisto Calisti, Alberto Corchi, Maria Rosiello, Joseph Guilty
Duração: 91 min.

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