- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
The Gathering Storm corrige grande parte dos problemas visuais de O Livro de Boba Fett. Pela janela vão os cenários, efeitos e a fotografia de qualidade semelhante de um telefilme do Disney Channel, como comentei na crítica de The Streets of Mos Espa, e pela porta entram elementos mais próximos do que sempre marcou a franquia Star Wars: espaços vividos e um tom um pouco mais sério, sem, porém, largar de lado completamente a abordagem mais infantil. Pontos para a produção e para a direção do sempre confiável Kevin Tancharoen.
No entanto, o episódio não tira a série de seu atoleiro criativo, deixando-a comendo poeira se comparada com The Mandalorian, o que é, convenhamos, inevitável. Quase toda a minutagem é dedicada a mais um bacta-flashback (flashbacta?), aparentemente o último já que Boba Fett termina seu tratamento ao final. Mas eu coloco aqui a pergunta: precisávamos mesmo saber detalhes do que aconteceu entre a destruição da tribo de Tuskens que acolheu Boba até ele encontrar Fennec Shand e recuperar sua icônica nave cujo nome original não pode mais ser dito? Porque vejam uma coisa importante: menos é mais. Tudo o que vemos em mais esse retorno ao passado é algo que qualquer um, adulto ou criança, poderia muito bem criar na cabeça, usando um negocinho chamado imaginação, sem que o roteiro precisasse pegar em nossa mão para nos levar por essa jornada.
Mas vamos então dizer que sim, era necessário mostrar tudo tintim por tintim no mínimo dos mínimos para servir de filler. Maravilha. Então o que se poderia esperar do flashback era algo marcante, inesquecível, bem construído. Isso é exatamente o que ele não é. O que temos é uma cansada narrativa de resgate, construção de laços de amizade hesitante entre dois supostamente durões caçadores de recompensa, uma sequência de ação com o roubo da nave Ferro de Passar (prefiro esse nome…), a destruição da gangue de Niktos e Fett quase morrendo de novo pela Sarlacc não fosse a ação de Shand no último segundo. Ou seja, nada de realmente diferente do que já sabíamos mentalmente, só que, agora, temos a duvidosa vantagem de termos visto tudo e, mais ainda, ouvido os tenebrosos – deixa eu repetir TE-NE-BRO-SOS – diálogos entre a dupla principal, diálogos esses que, ainda por cima, são falados como se os dois estivessem lendo de teleprompters fora de foco.
Quando a ação retorna ao presente finalmente, a coisa anda um pouquinho melhor, com uma boa pancadaria aleatória entre Krrsantan e os coitados dos Trandoshanos que ganha um bom dénouement graças à Garsa Fwip, mas que, no final, de nada adianta, pois ele arranca o braço do lagarto folgado mesmo assim, na única sequência realmente surpreendente da série inteira até agora, já que tudo é muito politicamente correto demais ao ponto de transformar o arrancar de um braço algo tão fora da curva que é um verdadeiro choque de ordem. O jantar à la Al Capone em Os Intocáveis, com o taco de beisebol sendo substituído pelo rancor, mas só que suavemente, também foi um bom momento, ainda que o que mais fique dessa cena seja o quão Fennec Shand tem mais postura de chefona do que Boba Fett, que irritantemente tenta diplomacia sorridente o tempo todo.
No final das contas, o gigantesco problema da série é que Boba Fett fala demais. Sim, isso aí. Mas afirmo isso da maneira mais ampla possível, pois ele realmente fala muito além da conta e, pior, sempre na maior delicadeza, mas a coisa não para por aí. A série em si fala demais via Boba Fett. Nada fica no mistério, nada fica para suposição e toda aquela aura que foi o que atraiu toda uma geração para o antes estoico personagem é completamente destruído. Comparando novamente com The Mandalorian, basta ver o quão pouco Mando falou ao longo de duas temporadas e o quão pouco sabemos dele. Agora, em quatro episódios, sabemos mais de Boba Fett do precisávamos saber para apreciar uma série solo dele. E, pior, sua transformação de caçador de recompensa em herói – porque é isso que ele é agora, não tem como escapar – foi alvo de um desenvolvimento simplista e quase que completamente fora da tela, na base do “agora sou assim”, algo que, aliás, ele reitera a cada duas frases que solta de sua boca com dentes absurdamente brancos.
Então sim, The Gathering Storm consegue ser o melhor episódio da série até agora por entregar visualmente o que os demais episódios deveriam ter entregado e por oferecer um flashback completamente desnecessário, mas que pelo menos é muito melhor do que perseguição a 30 km/h nas ruas de Mos Espa com motos coloridas. Ao que tudo indica, esse livro aí do Boba Fett não será mais do que um “meu querido diário”…
O Livro de Boba Fett – 1X04: The Gathering Storm (The Book of Boba Fett – EUA, 19 de janeiro de 2022)
Criação: Jon Favreau
Direção: Kevin Tancharoen
Roteiro: Jon Favreau
Elenco: Temuera Morrison, Ming-Na Wen, Matt Berry, David Pasquesi, Jennifer Beals, Mandy Kowalski, Skyler Bible,
Frank Trigg, Collin Hymes, Stephen Root, Sophie Thatcher, Sophie Thatcher, Carey Jones, Stephen “Thundercat” Bruner
Duração: 48 min.