Depois de aparecer pela primeira vez no audiovisual em um curta animado contido no inacreditável Star Wars Holiday Special, o caçador de recompensas Boba Fett imediatamente capturou as mentes e corações do grande público em O Império Contra-Ataca onde teve papel importante, mas de poucas palavras e pouco tempo de tela, tornando-se um dos personagens mais lembrados da franquia mesmo ganhando um fim pouco honroso em O Retorno de Jedi. Depois de ter sua paternidade e origem explorada na Trilogia Prelúdio, ele retornou à vida na segunda temporada de The Mandalorian, ganhando, então, um spin-off a partir dos eventos da série irmã que o enquadra como o sucessor de Bib Fortuna no comando do império criminoso de Jabba, o Hutt, em Tatooine.
Stranger in a Strange Land parte desse ponto para trabalhar o icônico personagem vivido por Temuera Morrison em dois momentos temporais, o presente da série, com ele tentando firmar-se como o poderoso chefão ao lado da mercenária assassina Fennec Shand (Ming-Na Wen) e outro no passado, imediatamente após os eventos explosivos do início do terceiro filme da Trilogia Clássica em que finalmente descobrimos como exatamente ele sobreviveu depois de cair no Grande Poço de Carkoon, onde vive uma sarlacc, que devora suas vítimas vagarosamente e o que aconteceu com ele em seguida. A escolha de se trabalhar em dois tempos é acertada e, diria, quase inevitável, pois o intervalo temporal entre sua aparente morte e retorno precisava ser preenchido de alguma forma.
Usando o tratamento de Fett em um tanque bacta para permitir os flashbacks que começam, na verdade, com o jovem Boba de Daniel Logan em Ataque dos Clones segurando o capacete de seu pai Jango, essas sequências no passado em que o mandaloriano tem sua armadura roubada por Jawas e, depois, é capturado por Tuskens, pareceram-me bem mais interessantes do que as no presente, talvez por lidarem com um terreno ao mesmo tempo mais misterioso e mais seguro, que consegue atiçar a curiosidade com mais facilidade. Ver Fett lentamente construir laços com o Povo da Areia, enfrentando uma criatura que obviamente me lembrou de Goro, de Mortal Kombat, e se tornando o herói de uma das crianças dos nativos do planeta foi moderadamente gratificante. Digo “moderadamente”, pois essas cenas não me pareceram tão espetaculares quanto poderiam ser, fundamentando-se muito mais na tão explorada nostalgia – aquela sequência em um casa parecidíssima com a de Owen Lars foi típica de um episódio que precisa fazer com que o espectador aponte para a tela e diga “olha lá!” – do que em uma construção narrativa realmente valiosa.
No presente, o problema está em nos fazer acreditar nessa transição de poder de Bib Fortuna para Boba Fett no quartel-general vazio de Jabba, por meio de uma sequência de “tributos” que, muito sinceramente, só funcionou mesmo para mostrar que o grande ex-caçador de recompensas não me parece ter o traquejo necessário para ser o chefão do crime. A esperada “disneyficação” do personagem, com ele tentando fincar seus pés no território com respeito e não com medo, não caiu bem e, se alguma coisa, Fennec Shand é que demonstrou conhecer mais os meandros desse cargo do que seu chefe.
Mas, na verdade, o que faltou mesmo foi história. O roteiro de Jon Favreau é muito básico demais, com diálogos sussurrados entre a dupla principal que não ajudam na construção de um relacionamento natural entre os dois, algo que é amplificado pela limitada latitude dramática de Morrison. Tenho plena consciência de que este é apenas um primeiro episódio e, como primeiro episódio, ele precisa fazer exatamente o que Boba Fett tenta fazer em Mos Espa, ou seja, marcar território, mas, mesmo levando isso em consideração, esse início de O Livro de Boba Fett não consegue se livrar daquela impressão ruim de que ele parece dependente demais da icônica armadura do personagem como representante de tudo o que os fãs querem ver em uma série hoje em dia: referências e mais referências.
Nem mesmo as sequências de ação na rua e pelos telhados de Mos Espa funcionam de verdade, por parecerem limpas e arrumadinhas demais, algo bem diferente da abordagem em The Mandalorian. Aqui, a estupenda tecnologia StageCraft que tanto beneficiou a série do mandaloriano que quase não tira o capacete pareceu mais burocrática e dando menos impressão de espaço vivido, com as coreografias ficando bem abaixo do que se poderia esperar, especialmente considerando a relevante presença de Wen no elenco. Se há um momento na cronologia de uma série para impressionar o espectador com efeitos e ação, este é seu primeiro episódio, mas o que vemos acaba desapontando por sua simplicidade visual.
Stranger in a Strange Land acerta mais no passado de Boba Fett do que em seu presente, trabalhando nostalgia e preenchimento de lacunas como suas bases de sustentação. Ainda é apenas o início, claro, e talvez apenas ver Boba Fett ganhar uma série solo seja o suficiente para muitos – meu lado puramente fã está feliz, não tenham dúvida -, mas O Livro de Boba Fett precisa não só distanciar-se de The Mandalorian e da pura manipulação de sentimentos nostálgicos, como também – e principalmente – finalmente usar o icônico personagem de forma a fazê-lo alcançar narrativamente a reputação que ele alcançou visualmente há tantas décadas.
O Livro de Boba Fett – 1X01: Stranger in a Strange Land (The Book of Boba Fett – EUA, 29 de dezembro de 2021)
Criação: Jon Favreau
Direção: Robert Rodriguez
Roteiro: Jon Favreau
Elenco: Temuera Morrison, Ming-Na Wen, Matt Berry, David Pasquesi, Jennifer Beals
Duração: 39 min.