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Crítica | O Lado Bom da Vida

por Iann Jeliel
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O Lado Bom da Vida

Acho complicado encarar O Lado Bom da Vida como um drama sobre transtornos psicológicos. Muito dessa visão veio da dominância do longa-metragem no quadro de indicações ao Oscar de 2013, mas a proposta do diretor David O. Russel sempre me pareceu muito mais concentrada na comédia romântica despretensiosa, que, com personagens desajustados, automaticamente ganha um vigor novo. Na verdade, a novidade não é nem essa, uma vez que toda boa comédia romântica memorável que se preze sempre tenta estabelecer o desenvolvimento da relação do casal através de conflitos entre suas personalidades, de modo a formar uma química crível para que o público torça para eles ficarem juntos no final.

O elemento da bipolaridade é essa fonte de conflito, mas consequentemente, também é a fonte de união de Pet (Bradley Cooper) e Tiffany (Jeniffer Lawrence), personagens por vezes incompreendidos para aqueles que não apresentam problemas psicológicos parecidos, ou que não enxergam e escondem os próprios. É por isso que Russel se sente muito confortável em utilizar essas deficiências clínicas estabelecidas a favor da comédia, elaborando com elas, situações claramente encenadas, com o “Q” de absurdo provocado pelo choque das condições explosivas de ambos. Numa proposta realmente dramática, essas sequências rapidamente afastariam sua legitimação enquanto estudo realista de personagens, mas para a comédia romântica, são ótimas pontes construtoras de um carisma empático a elas. Um carisma não para criar empatia com sua condição, mas simplesmente para reuni-los como casal.

Diferente de outros projetos, a câmera de Russel dificilmente elabora uma sequência com a mise en scène mais estilizada, ou seja, sobra bastante espaço para ele aproveitar seu talento, aonde de fato ele é bom, no caso, na direção de atores.  Tanto Cooper, quanto Lawrence possui um senso de imprevisibilidade bastante verossímil dentro da ideia fixa de humor – o melhor, que vem da quebra de expectativa – para com o romance envolvendo o casal, mas não só eles, como Robert De Niro, Jacki Weaver, Chris Tucker e o restante do elenco secundário, possui um timing cômico bastante eficiente com a instabilidade proposital do texto. Uma instabilidade que conversa com a premissa da bipolaridade e com o princípio original de que o casal se entende por conversarem e compreenderem seus problemas em comum, diferente dos demais apontados pelo roteiro que parecem sempre negar suas deficiências em prol do orgulho individualista.

Podemos citar nessa vertente o exemplo mais obvio que é o personagem de De Niro e seu vício em superstições para apostas esportivas que escanteou o filho pelos mesmos problemas que sofre, mas prefiro ir ao personagem do John Ortiz e a cena que revela como ele alivia o estresse dos problemas de casamento na garagem. Percebam que essas pequenas e descontraídas inserções, também pensadas no humor, revelam o lado mais crítico do longa, ao reiterar que na modernidade todos estão passíveis de terapia. A diferença é que a sociedade naturalmente cria hierarquias para essa loucura presente em todos nós, algo exemplificado na primeira cena de debate entre o casal em formação, que basicamente se desentende por Pet posicionar Tiffany como a mais louca entre os dois.

Há quem diga que o filme possa ser irresponsável mesmo assim, uma vez que fica subentendido no final feliz que a terapia entre dois personagens problemáticos entre si, resolve mais do que tratamentos medicinais ou clínicos. Contudo, a narrativa parece bem consciente disso – o tema final feliz, é repetido diversas vezes na história e é o lema do título original –, desde o momento que estabelece a barreira do romance principal com a idealização de Pet em resgatar um casamento que já estava acabado a muito tempo antes do surto que fez o personagem a ser mais incompreendido por todos. Veja bem, ele foi traído, não existia amor ali entre ele e Nikki (Brea Bee). Toda sua luta por ela é em vão no sentido romântico e isso só será percebido quando ele enxerga que ela, da mesma forma que muitos outros, o submete a hierarquização da loucura, sendo que nos fins morais, ela foi a vilã da história, não ele. De maneira muito objetiva, o filme integra isso como o fator drama dentro do romance com Tiffany, porque é ali, onde de fato, deveria estar a idealização romântica característica de todo filme de comédia romântica.

Por isso, repito, é um filme assumido nessa linha de clichês justamente para evitar esses respaldos distorcidos na mensagem. A escolha da dança como o grande clímax é muito significativa nesse sentido, porque é o movimento artístico que possibilitou a união dos dois, tal como o próprio filme, enquanto outro movimento artístico – principalmente levando em conta seu gênero –, possibilitou a terapia de dois bipolares serem entre eles mesmos pelo amor e não a nada de irresponsável nisso. Chegando nessa conclusão e ignorando o fator bait de Oscar – que o filme inegavelmente possui, apesar de soar bem descompromissado –, é difícil não simpatizar com o belo desenvolvimento de carisma do casal, com a química das atuações e performances de Cooper e Lawrence e não torcer para que os dois tenham o prazer de desfrutar esse lado bom da vida com dignidade.

O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook | EUA, 2012)
Direção: David O. Russell
Roteiro: David O. Russell (Baseado no livro homônimo de Matthew Quick)
Elenco: Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Robert De Niro, Jacki Weaver, Chris Tucker, Anupam Kher, John Ortiz, Shea Whigham, Julia Stiles, Paul Herman
Duração: 122 minutos

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