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Crítica | O Juízo (2019)

por Iann Jeliel
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O Juizo

Se o cinema nacional não é valorizado como deveria ser pelo grande público, quem dirá o cinema de gênero brasileiro, que vira e mexe solta pouquíssimas produções que se arriscam fora do terreno de conforto de drama e comédia. Esse panorama pode ter mudado um pouco esse ano, no qual Bacurau e Turma da Mônica: Laços fizeram considerável sucesso de bilheteria, o que naturalmente pode gerar frutos de maior investimento em produções do tipo, que procuram no histórico cultural uma forma de se criar histórias que se relacionam diretamente com a brasilidade. Contudo, observando uns poucos anos atrás, até pela forte influência do terror social no mundo, o cinema de horror brasileiro já vem fazendo isso com o mesmo intuito, mas sem um aproveitamento tão significativo por ainda ser um gênero mais de nicho e específico. O Juízo surge assim, como uma das maiores apostas em tentar torná-lo mais chamativo ao popular, com a presença de grandes astros e realizado por alguém já experiente e de renome no universo da Globo.

Há muitas boas ideias por parte das mentes de Andrucha Waddington e Fernanda Torres, principalmente em como buscam subverter o sobrenatural a questões psicológicas mais profundas e existencialistas, algo remetente à construção de M. N. Shyamalan no início da carreira, só que voltadas a um revanchismo histórico, com o passado escravocrata sendo convertido em assombrações que atormentam a vida das gerações futuras dos senhores de engenho. Augusto é uma espécie de Jack Torrence de O Iluminado que busca a recuperação de problemas como o alcoolismo por meio do isolamento, e leva com essa desculpa sua família para um sítio de antepassados no meio do nada.

Aos poucos, suas reais motivações vão se modelando com base no ciclo de maldições revisionistas, e naturalmente o protagonista irá ficar cada vez mais louco até ameaçar a vida de sua própria família a fim de quebrar o tal ciclo. Contudo, se a premissa parece a princípio bem organizada, ela sofre com antecipação para cada elemento de sua construção teoricamente em crescente, só que na prática estagnada. O maior problema do roteiro é não saber onde posicionar as informações que precisam ser dadas, ele tenta segurá-las para fermentar a elaboração do mistério, mas acaba por as revelar na hora errada, o que sempre passa a sensação de que está se recontando a cada minuto, e não progredindo, o que deixa a compreensão das motivações confusas antes do tempo ou insatisfatória quando reveladas, pela precocidade da maneira como isso é feito. 

A atmosfera até faz um bom trabalho em cozinhar as expectativas, mas não sabe contextualizar para onde essas expectativas estão sendo direcionadas, fazendo o público não exatamente se importar com a elaboração da tensão por não saber o motivo de estar acontecendo. É compreensível a escolha para puxar o medo do desconhecido, mas isso só funciona quando se tem a habilidade e a noção geográfica de fornecer pistas antecipadamente com sutileza para justificar a influência desse “desconhecido” nos personagens. Um simples e prévio desenvolvimento deles já ajudaria, mas o roteiro busca escapar de qualquer exposição e acaba não conseguindo extrair nenhum sentimento quando os coloca em risco no futuro. O filme desperdiça uma série de artesanatos no processo, incluindo aí seu elenco e ambientação, que no papel e fotos parecem perfeitos. 

Fernanda Montenegro e Lima Duarte são personagens terciários e só agregam clichês quando estão em cena, Criolo não consegue entregar pela má condução da direção em suas cenas, fica um caricato incômodo no clima fúnebre da fotografia, que acompanhada de planos muito fechados, não aproveita o cenário macabro à disposição, por muitas vezes demasiadamente escuro a ponto de não dar para entender o que acontece em cena, sendo o clímax o maior exemplo dessa problemática. Para um filme que se preocupa tanto com a sobriedade e lentidão da crescente atmosférica, as viradas soam convenientes e abruptas demais, o desespero vem e desaparece numa mesma velocidade, só corroborando ainda mais com a falta de envolvimento com a história. Sem o envolvimento, fica difícil posicionar a importância temática, que por vezes parece ser só o estopim para um experimento de gênero genérico. 

Faltou a tal brasilidade para dar ao menos autenticidade ao projeto, porque mesmo que fosse mal construído, uma sensação de orgulho de se arriscar nesses horizontes compensaria a tentativa falha do potencial sensorial. O mais decepcionante é ver algo que tem tanta coisa a dizer não transmitindo absolutamente nada, daquelas experiências do pior tipo possível, frias, que não despertam nem sentimentos negativos com o seu público, raiva, até mesmo comicidade gerada pelo tosco ou trash (algo ruim para o terror, mas ao menos já é algum sentimento), nada é sentido. O Juízo é um filme fantasma que passa por dentro de seu corpo sem você perceber, além de moroso, confuso e completamente esquecível.

O Juízo (Brasil, 2019)
Direção: Andrucha Waddington
Roteiro: Fernanda Torres
Elenco: Felipe Camargo, Carol Castro, Joaquim Torres Waddington, Criolo, Fernanda Montenegro, Lima Duarte, Fernando Eiras e Kênia Bárbara
Duração: 90 min.

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