Adaptação do conto O Injustiçado (também intitulado aqui no Brasil como O Reprimido e Poirot Sempre Espera), parte da coletânea A Aventura do Pudim de Natal, este episódio de Agatha Christie’s Poirot usa de maneira muito interessante a temática do pré-Segunda Guerra para criar o suspense em torno do assassinado de Sir Reuben Astwell (Denis Lill), uma magnata infame que odiava sua esposa, seu sobrinho, seu irmão, seus empregados, sua assistente e que se preocupava com uma única coisa: comprar e vender mercadorias para acumular mais e mais dinheiro.
O episódio, adaptado por Bill Craig, tem ao mesmo tempo um ar de teoria da conspiração, trama de espionagem e brigas familiares por dinheiro, o que eventualmente pode gerar um assassinato, como bem conhecemos dos livros de Agatha Christie. Mas a obra é competente o bastante para nos dar um número considerável de suspeitos, brincando com a nossa percepção tanto quanto a autora faz no conto original. Aliás, os ingredientes do suspense estão aqui misturados com motivações de diversas ordens, cabendo sempre um pouco de humor. David Suchet, mais “acanhado” do que deveria ao interpretar Poirot nessa obra, segura a maior parte das cenas riso, às vezes marcadas por sua paixão pela Bélgica e pelos elogios a si próprio.
Mas falta ao episódio o comprometimento intenso que Poirot tem no conto e que constrói com muito mais eficiência a coluna dramática de O Injustiçado. O diretor John Bruce procurou fazer isso através de pequenos detalhes, mas o “jogo de amedrontar” que o detetive deveria fazer aqui é paulatinamente diluído porque que novas pistas são encontradas a todo momento e novos suspeitos aparecem em quê nem por quê. Algumas dessas pistas são bastante instigantes, mas é uma pena que se percam, e isso ocorre porque o roteiro não poderia persegui-las, pois acabaria se desviando da linha central do episódio, criando um atalho dramático. Isso nos faz questionar o por quê de o roteiro inserir tantas suspeitas novas se elas não serviriam de trampolim narrativo.
Por um lado, podemos entender que foi uma forma de o autor suprir as brincadeiras do conto e justificar a permanência de Poirot pela casa. Um papel importante nesse processo vem com a escolha da locação e através do uso inteligente desse espaço, onde podemos imaginar diversos hóspedes, em momentos diferentes, com a possibilidades de cometer o crime. A grande questão é que o episódio não investe o tempo que deveria nesse aspecto. Alguns personagens são escolhidos como suspeitos principais e acompanhamos suas fugas e explicações cheias de furo, dando material para que Poirot encontre a verdade no meio de tatas coisas que eles têm para esconder. Como existe um lado político na história, nunca sabemos para que lado vai a motivação principal e isso pelo menos segura o suspense por um tempinho a mais, embora não o bastante para evitar que o desfecho pareça “sem importância”.
No conto, a impressão mais forte é a de uma pista que estava lá o tempo inteiro, mas a gente não viu. Aqui no episódio, as deixas sobre quem é o assassino e a forma como o criminoso é colocado no texto não criam uma relação com o público, o que tira por completo o choque da revelação. Se no decorrer da trama nós conseguimos perdoar os pequenos desvios do roteiro para este ou aquele personagem, o final vem para cobrar o preço desses desvios. Não se trata de um encerramento ruim, mas ele tem muitíssimo pouca força, o que é bastante frustrante, especialmente para um enredo que se mostrara tão rico. Ao cabo, o injustiçado aqui é mesmo o público.
The Underdog (Agatha Christie’s Poirot 5X02) — Reino Unido, 24 de janeiro de 1993
Direção: John Bruce
Roteiro: Bill Craig
Elenco: David Suchet, Hugh Fraser, Pauline Moran, Ann Bell, Adie Allen, Denis Lill, Jonny Phillips, Bill Wallis, Ian Gelder, Andrew Seear, Lucy Davidson, John Evitts, Michael Vaughan, Charles Armstrong
Duração: 50 min.