As gerações mais atuais, em linhas gerais, se conectam muito mais rapidamente que alguns de nós, parte do público que se adaptou aos dinamismos da vida tecida cotidianamente no campo da cibercultura. Garotos com menos de 10 anos, neste jogo de virtualidade, estão cada vez mais inseridos em desvendar códigos, criar alternativas para bifurcações na rede, num jogo de relações que mexe com várias instâncias de suas vidas, tais como a saúde, a educação, a sociabilidade, dentre outros. O Inimigo ao Meu Redor é um filme dinamarquês que nos permite refletir sobre isto, além de desfrutar de momentos de entretenimento ao longo de seus 97 minutos de duração, mergulhados numa história de perseguições típicas das narrativas envolvendo hackers que guardam segredos caros de grandes corporações e do sistema governamental. Heróis da nossa sociedade de controle ou criminosos perigosos que precisam do encarceramento para não promover a destruição dos valores dominantes? Este é apenas um dos questionamentos possíveis diante desta aventura sobre jogos de poder no ciberespaço.
Dirigido e escrito por Poul Berg, cineasta que teve apoio de Rune Kalle Bjerko para a concepção do texto dramático, a produção é uma aventura situada num ambiente frio, concebido pelos filtros da eficiente direção de fotografia de Bet Rourich, responsável por conceber uma boa atmosfera de leves tons sombrios para O Inimigo ao Meu Redor. Na trama, Benjamin (Rumle Kaersa) é um jovem hacker de 13 anos que supostamente perdeu a sua mãe num terrível acidente. Isso é algo que o fizeram acreditar, mas ao passo que mais desdobramentos são estabelecidos, esta verdade pode não ser tão factível assim. Ele é perseguido por agentes governamentais e descobre que tem em mãos, um arquivo secreto capaz de permitir o controle da mente humana, num jogo de interesses que pode colocar a sua vida em risco, tal como a integridade de sua mãe.
Instruído a não confiar em ninguém, seja qual for a situação, Benjamin passa os seus dias num instituto de ensino, numa vida de órfão que o faz ficar cada vez mais circunspecto, envolto na redoma dos riscos diante desta rede de inteligência dos mecanismos de segurança nacional. A tecnologia é o que define a sua identidade, numa fascinante figura ficcional que se diverte explorando os limites do que é possível, num espírito de diversão e seriedade mesclados em doses semelhantes. A sua postura subversiva pode ser vista não apenas em suas ações, mas no ambiente por onde circula, seu quarto, lugar de maquinário em associação com pôsteres de filmes, dentre eles, V de Vingança, uma referência pontual para compreendermos as suas necessidades dramáticas, recurso do assertivo design de produção da dupla formada por Thomas Bremer e Nikolaj Danielsen. Ainda sobre os elementos estruturais, o filme conta com uma tensa trilha sonora, assinada por Uno Helmerson, funcional para a composição da trama.
Lançado em 2019, O Inimigo ao Meu Redor é uma produção que diverte, se arrasta um pouco no último ato, uma situação que não prejudica a narrativa de maneira geral, assegurando o nosso interesse diante desta trama que reflete o quão a juventude contemporânea se apropria da tecnologia para criar novas significações. Em seu desenvolvimento, o texto de Poul Berg nos apresenta como somos controlados por dispositivos eletrônicos o tempo inteiro, numa dinâmica cotidiana cada vez mais dependente. É uma narrativa de cunho funcional para aspectos pedagógicos, pois aborda a cultura hacker e os meandros de figuras que se entregam aos mais diversos desafios intelectuais, em tarefas que mesclam a superação dos limites da criatividade para que os resultados possam alcançar novos patamares para as suas existências.
O Inimigo ao Meu Redor (Hacker – Dinamarca, 2019)
Direção: Poul Berg
Roteiro: Poul Berg, Kalle Bjerkø
Elenco: Rumle Kærså, Josephine Højbjerg, Signe Egholm Olsen, Muneeb Ibn Usuf, Esben Dalgaard Andersen, Mille Dinesen, Janus Nabil Bakrawi
Duração: 97 min